pág. 2 de 4
Caminhando pelos Céus
de Joana Consiglieri
em 14 Out 2015
(...anterior) Embora possamos lembrar a dualidade entre Céu e Inferno como legado cultural ocidental, entre a gravidade do peso da existência, a vertigem, a queda e a morte, e a leveza dos céus e das estrelas (§), a luz radiante e a iluminação da chama ardente, só podemos contemplá-los efectivamente quando o espectador conhece em pleno a obra da artista plástica. [Gravidade, 2010]
Neste sentido, lembraremos outros artistas e escritores que «poetizaram» os vários caminhos para os céus. Na cultura ocidental, Céu e Inferno continua a ser o maior legado desta temática, como podemos observar em Dante, William Blake (§), Aldous Huxley e, mesmo, em Wassily Kandinsky , a título de exemplo.
Segundo os três primeiros criadores, o caminho espiritual é delineado pela descoberta das vicissitudes obscuras e penosas da existência. Em Kandinsky, a procura visa o estado puro do espírito. Por isso, considerava que o artista seria um «sacerdote da “beleza”» , e tornar leve o pesado . Na sua pintura, o caminho de espiritualidade era uma revelação que subtilmente aglutinara as diversas linguagens culturais. A viagem entre o Céu e o Inferno era, também, um caminho para o Novo Mundo e uma visão multidimensional.
Seguindo esta perspectiva, Céu e Inferno representam a viagem espiritual do ser humano, que irremediavelmente começa com a vertigem, a queda, e, mesmo, a morte. A queda é o princípio da viagem. A morte, o início da transformação. A escuridão é o mistério, o lado obscuro do ser humano, o inconsciente. Por outro lado, nas sociedades nativas ou tribais, a morte e a escuridão são os símbolos do princípio activo da transformação, de um novo ciclo, de uma nova vida, de mudança. Portanto, os presentes desenhos são imagens míticas, que fundem o oriente com o ocidente, o tribal com o erudito ocidental, o pensamento não-ocidental com o cristão. A artista unifica branco e negro, cor e não-cor; e, na escultura, o peso transforma-se em dourado e na leveza da luz, transpondo-nos, assim, para outros significados: os da Casa Esplendorosa.
Nesta exposição da artista Maria Pia Oliveira, os desenhos conduzem o espectador, quais sinais para a transformação . Estas «sinalizações» são dadas pelas formas fluidas e quânticas, o microcosmos orgânico, as pequenas partículas dinâmicas, as imagens arquétipas, o ser que se metamorfoseia com o fogo em fénix e em flores.
As flores de Maria Pia Oliveira fazem parte das imagens visionárias míticas que nos conduzem aos céus. Surgem na escuridão do Universo, e rodopiam em detalhes delineados com pormenores minuciosamente desenhados, que relembram a tradição oriental. São novas linguagens visuais que produzem a autotransformação, através das cores do fogo e das «pedras preciosas».
As flores são seres, entidades, energia [Seres em Flor]. No budismo, aparece-nos a flor de lótus, como símbolo da transcendência do espírito, puro e imaculado. Esta flor eclode e flutua à superfície, com o caule longo, esguio e firme, que une as raízes à lama do leito das águas turvas. É uma metáfora do caminho da revelação. Lótus é pureza, sobriedade e rectidão. Também, simbologia da meditação, o estado mais elevado do ser, o «ponto mais elevado» onde são abolidos o espaço e o tempo [The Perfect Point]. Surge, assim, a última série de desenhos, que representam um novo sistema do cosmos: o caminho [Queda nos Céus] para o estado do espírito mais elevado do ser. Funde o ser com o cosmos através da simbologia do imortal, deus destruidor da mitologia tibetana [Mahakala], o outro aspecto do deus Shiva, também designado por «Great Black One» .
A artista comunica e visiona o Universo, numa rede de linhas densas, fluidas e dinâmicas, que convergem em pontos de luz, brilham na escuridão [Black Hole e Estrela Esplendorosa] e, por sua vez, expandem em malhas curvas e orgânicas, transmutando, assim, em outras formas topológicas, onde a anulação do ego e a abolição do espaço e do tempo são atingidos. Surge o kosmos , o Todo [O Todo, Belo e Ordenado].
Notas
1 - O sublime é a experiência estética que nos proporciona um prazer indirecto, ou melhor, um prazer negativo dado pela ilimitação ou pelo poder da Natureza.
(... continua)
|