Fundação Maitreya
 
Onde está a seriedade?

de Diogo Castelão Sousa

em 20 Set 2021

  Assumir com firmeza um caminho próprio, seu, é essencial para o ser humano. Como seres individualizados, a busca ou demanda de um sentido para a vida constitui um traço incontornável e definidor da nossa espécie. A altura em que o assumimos deve ser já antecedida por uma prévia investigação das diferentes possibilidades (correntes filosóficas e religiosas) disponíveis em nosso redor. A altura da decisão, i.e., da tomada de posse de uma atitude, deve ser acompanhada por uma maturidade já devidamente consumada, estabelecendo assim um elo entre a vontade e consciência do ser, i.e., por uma base sólida e fortificada. Nos dias de hoje poucas são as referências no que concerne a este tipo de atitude, de alguém que persevera constantemente na sua demanda, não se desviando, mesmo após já ter ultrapassado certos conceitos e expectativas iniciais, mais primários, que consigo carregava no começo da sua busca. Chamar-lhe-emos mestre, ou iniciado, esse que perseverou e se adiantou naquilo que lhe cabia fazer, cumprindo-se a si mesmo, sendo fiel aos seus ideais durante toda uma vida, tal uma árvore cujas raízes a impedem de ser levada pelo vento ou destruída por uma tempestade. De facto, quem assim se assinala consta apenas entre um pequeno punhado de gente, cujo mérito e exemplo constituem uma verdadeira inspiração para aqueles que desejam conhecer e se iniciar na ‘questão’ da seriedade, do que realmente significa ‘ser sério na vida’.

A História é particularmente reveladora no que toca a esta matéria. Foram seres de alta determinação, vontade e liberdade de espírito que marcaram e revolucionaram as fronteiras do pensamento comum da Humanidade. Isto através de uma atitude ‘fora de série’, estranha para o comum das pessoas, em que se acomete o ser a um ideal para toda a sua vida e realiza seus feitos a partir dessa visão unificadora, que carrega dentro de si.

Evidentemente, maior parte dos indivíduos deixa-se subjugar pela cultura e valores da sua época, sem a devida reflexão, começando já pelo seio da família onde nasce, deixando-se possuir, parcial ou inteiramente, por modos de vida alheios que, muitas das vezes, não são os melhores ou mais benéficos para a sua aprendizagem espiritual e evolutiva.

Acontece que uma grande percentagem faz dos bens materiais o ‘lema’ da sua vida, não precisando claramente o quão instável e incerta a existência terrena é. Outros, ponderando na aquisição de certas metas temporais, fabricam mais quimeras, na tentativa de colmatar ou inclusive ‘substituir’ o ‘vazio’ da sua existência, da falta de um sentido absoluto, total, unificador, pela limitadora e desgovernada busca da ‘felicidade mundana’, sempre fragmentada e ilusória na sua natureza.

Com efeito, uma tal filosofia ou ‘razão de ser’, que fundamentasse todas as nossa escolhas, ideias ou formas de vida, reformulando-as na sua íntegra, teria que ver forçosamente com uma seriedade não relativa a ‘esta ou aquela situação’ mas sim condizente com a própria Vida, no seu todo. Por tal, sentir que existe ou não um Deus, que a Vida é casual e gratuita e não fundamentada ou prenhe de sentido, condiciona todas as demais respostas que oferecemos, por sua vez, à Vida.

Deste modo, investir numa atitude, exige forçosamente uma tomada de consciência, implica um momento de cisão, de quebra, face aos condicionamentos externos, alheios, próprios da época e sistema em que o ser vive, onde este se vê compelido a eleger para si mesmo um caminho particular, individual, fruto da sua vontade e liberdade de espírito.
Porém, ao contrário do que se possa julgar, tal compromisso não é realizado de uma só vez, ou seja, efetuado num só instante, mas sim determinado ao longo de várias etapas da nossa jornada. De facto, a decisão, para ser ‘séria’, tem que ser contínua, trabalhada, refinada e renovada uma vez mais, em prol da sua validez e autoridade.

Assim, quando nos deparamos com um ser que já trabalhou devidamente, ao longo de vários anos, a sua própria evolução e carrega dentro de si essa chama que ‘tudo arde à sua volta’, dá-se pela primeira vez uma espécie de ‘transmissão’, de um ‘acordar’ para a Vida, em que a letargia e desalento que constituíam a normose de um adormecimento coletivo, dão lugar a um despertar maior para as questões essenciais da própria Vida, do Ser e da Existência; no fundo, de uma filosofia mais prática ou realizada, momento que, por si só, é capaz de despoletar uma verdadeira revolução nos corações de quem se encontre mais receptivo ou aberto a tal silencioso ensinamento… Não significa de modo algum a transferência de conhecimentos mas sim o testemunho e exemplo vibrantes de quem transporta dentro de si o dom de fazer os outros ‘abrir os olhos para a Vida’…

De qualquer modo, seja através de exemplos, inspirações, seja pelo estudo pessoal, a diligência ou seriedade com que impregnamos o nosso trabalho encontra-se apenas em nós e não alhures. Por tal, desenvolver uma atitude ou visão de vida significa afirmá-la cada vez mais a cada passo da nossa jornada. Isto, ao contrário do que muito acontece hoje em dia, ao serem procuradas e desenvolvidas certas filosofias emergentes ou mais antigas, mas sem a devida profundidade ou acometimento, apenas superfluamente, por curtos períodos de tempo, para logo serem esquecidas ou abandonadas em favor de outras modalidades ou práticas em voga.

Destarte, a constância ou diligência, sendo algo que credibiliza e confere autoridade às nossas mais íntimas aspirações, torna-se absolutamente imprescindível aos olhos daquele que elege para si mesmo um caminho e, decorrente dessa escolha, aspira ardentemente à sua realização.

Em suma, poderíamos dizer que resgatar a seriedade, a condição de ‘ser sério na vida’, implica duas coisas: conhecimento e vontade. A primeira, encontramo-la no testemunho de quem realmente se aplicou e provou ‘ser’ o seu caminho, nos mestres ou instrutores que nos inspiram a ser cada vez melhores e a avançar na nossa senda. A outra encontramo-la em nós mesmos: na perseverança, na resiliência, na vontade e paciência que fazem daquilo em que acreditamos a realidade a ser espelhada na nossa vida, o fito a ser encarnado na nossa existência.
   


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