Fundação Maitreya
 
O Património e a Religião

de Bhikkhu Appamado

em 31 Out 2021

  O Património Religioso simboliza aquilo que de mais elevado a humanidade pode realizar e concretizar. Muitas vezes caminhamos nas belas cidades europeias, por exemplo, e deslumbramo-nos com as edificações, antigas e modernas, e entre as quais aquelas que servem ou serviram de albergue para práticas espirituais de encontro com o Divino, de transcendência humana, de trabalho interior e de carácter e de expansão da consciência. Talvez esses mesmo edifícios fiquem impregnados da emanação dessa prática espiritual e isso transmita uma atmosfera e vibração muito próprias a quem neles entra, a quem os visita, a quem os contacta. Para além dos belos princípios de arte e arquitetura que os regem, temos de nos lembrar dos princípios e propósitos para a existência de tais edifícios. Se não houvesse uma vontade de transcender os aspectos inferiores da existência humana, um almejar de crescimento espiritual, não haveria tais edificações.

Muitas vezes, as pessoas gostam de apreciar a beleza das catedrais, mesquitas, templos, sinagogas e mosteiros, mas desdenham da religião não lhe dando importância. Lembro-me de alguém mencionar: ‘Os Mosteiros são bonitos para visitar, mas isso de viver nos Mosteiros e de ter uma vida Monástica parece não ser assim tão importante...’ – Pois ora aqui temos o propósito invertido: é exactamente pela existência e para a existência da vivência monástica que existem Mosteiros, Templos, Mesquitas e Sinagogas. Pois sem religião ou práticas espirituais não haveria Mosteiro dos Jerónimos, Basílica da Estrela, Hagia Sophia, Angkor Wat, Catedral de Notre Dame, Pirâmides do Egipto ou as Caves de Ajanta. Ou até mesmo o singelo Mosteiro Sumedharama, na Ericeira.

O propósito dos edifícios e das construções não é o físico, mas sim a transcendência do mesmo. No entanto, é através da construção física destes edifícios, deste Património, e principalmente da prática espiritual que neles se realiza, que essa energia de libertação emana e eleva os corações e as mentes das populações, que por vezes sem se darem conta, são tocadas por estas energias.

É sobejamente importante manter este património vivo e em bom estado de conservação, pois sem o mesmo estaríamos a privar a humanidade de beber deste elixir.

Num mundo tão conturbado, é preciso manter e perpetuar os princípios elevados que nos dão clareza mental e tranquilidade de coração, para podermos caminhar na vida de forma sã, pacífica, consciente e segura, transcendendo os nossos problemas e a mesquinhez da vivência humana.

Outrora, os edifícios religiosos eram os mais proeminentes e destacados dentro dos povoados, sendo-lhes concedida essa primazia, dando assim o devido relevo à importância dos valores espirituais. Hoje em dia, também por força de outras necessidades, os edifícios religiosos já não têm tanta preponderância no relevo urbano e por isso é mais importante ainda que os que ainda existem sejam mantidos com a devida dignidade para que possam continuar a exercer a sua função, quer prática quer invisível, para o benefício do todo.

É claro que certas edificações mais antigas, como os exemplos nacionais do Mosteiro de Alcobaça ou o da Batalha, de Santa Maria da Vitória, continuam pela sua grandiosidade a manterem-se sobranceiros ao relevo urbano que os rodeia, mantendo uma presença imponente de destaque e uma atmosfera própria. Quem visita estes sítios, independentemente da sua filiação religiosa, é sempre tocado pelo Amor e Verdade no seu interior.

Tive o enorme privilégio de fazer uma peregrinação pela Ásia e nomeadamente pela India, onde os locais altamente ‘carregados’ de vibração espiritual são uma fonte de emanação para a humanidade, com uma capacidade transformadora e transmutadora impactantes. Património com mais de 2500 anos que ainda hoje é relevante.

Outro aspecto interessante a ser levado em consideração é o da Natureza enquanto Património. Manter os locais Sagrados da Natureza limpos e protegidos, com um astral elevado, é algo que pode contribuir imenso para o equilíbrio do mundo. Mesmo do ponto de vista da nossa atitude quando nos encontramos em tais locais, podemos ter em conta que até os nossos pensamentos podem ajudar ou ‘poluir’ tais locais, pelo que devemos ter isso em consideração e ‘guardar’ a nossa mente com especial atenção em tais ocasiões.

Tive oportunidade de observar na Tailândia rural, ao fazer extensas peregrinações a pé naquelas regiões do país onde a Tradição Budista Theravada da Floresta prevalece, que sempre que avistava uma pequena floresta, sabia que aí iria encontrar um Mosteiro, pois quer pela política de agricultura praticada naquele país nos anos 70, quer por certos aspectos adulterados da relação humana com a natureza, os únicos sítios onde a floresta se manteve protegida foi dentro dos limites das propriedades dos Mosteiros, tendo o restante sido destruído quer por queimadas quer por culturas agrícolas intensivas.

Assim, o uso adequado da natureza para elevação da mente, e o uso elevado da mente para preservação da natureza, também contribui para a Prosperidade do nosso Património Religioso Natural. Muitas vezes as pessoas notam como certas congregações religiosas encontravam, e ainda encontram, refúgio longe do burburinho das cidades e em zonas de grande beleza natural. Certamente não é por acaso...

Passando ainda para outra dimensão do Património, temos o Património Religioso Imaterial, isto é, toda a realização interior e caminhada de libertação, levadas a cabo pelos praticantes, formam um registo etérico na atmosfera terrestre e no espaço, que se perpetua no tempo. Para o estabelecimento deste Património, contribuem os espaços religiosos, com características de recolhimento, enaltecimento e silêncio, propícias à investigação interior e à expansão da Consciência.

Lembro-me que no belo Templo do Mosteiro Budista Amaravati, em Inglaterra, as directrizes dadas pelo abade do Mosteiro, Luang Por Sumedho, ao arquitecto para a elaboração desse mesmo templo, foram as seguintes: ‘Gostaria que este fosse um espaço onde as pessoas que aqui chegam vindas de Londres, com as suas vidas e mentes tão movimentadas, possam parar e sentir o impacto do vazio na sua mente. Estas directrizes tomaram forma no espaço e no tempo, e ainda hoje, os viajantes e peregrinos de todas as partes do mundo, que chegam ao Templo de Amaravati, sentem o impacto almejado por Ajahn Sumedo e concretizado pelo arquitecto e seus executantes. Ficou este ponto assim marcado na intersecção do espaço e do tempo, que revela que é possível algo concretizado no plano físico elevar-nos e libertar-nos, ao invés de nos embrenhar na matéria.

Muita da construção realizada nos últimos séculos, tem um propósito comercial e económico, que também faz parte da experiência humana, mas se isto não for equilibrado com a presença de edificações de outras naturezas, espirituais e elevadas, causará realmente um dano na consciência humana, mantendo-a presa aos padrões mais básicos e corriqueiros da vida.

Claro que a construção e preservação do património religioso, depende do interesse das populações e das prioridades das autoridades competentes; se este património religioso for diminuto e desconsiderado, esquecido e abandonado, a humanidade perderá esse estímulo para a sua elevação e libertação. É também importante relembrar, que o Património Religioso faz parte da nossa História, representando-a e documentando-a, e consoante este se perde, também as gerações mais novas perderão a noção do contexto no qual a sua realidade presente foi erigida.

É importante assim não descurar a importância de valores eternos na nossa sociedade contemporânea. Desta forma, trabalha-se a matéria, no condicionado e manifestado, para atingir a realização e integração no todo, no incondicionado e imanifestado.
   


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