Fundação Maitreya
 
A Condição humana

de Diogo Castelão Sousa

em 26 Dez 2021

  Por mais milénios que passem, por mais escritos que o descrevam, por mais vidas que o testemunhem, é sempre pela primeira vez que o Homem experiencia a Vida, a juventude, a idade adulta e a velhice. Por mais tempo que passe a questão do Homem nunca se torna irrelevante ou obsoleta. Pelo contrário, conhecermo-nos a nós mesmos representa sempre um desafio, algo novo, desconhecido e surpreendente.

Por isto mesmo, coisas simples, como regressar aos clássicos, reler os grandes autores, é algo que nunca se esgota; precisamente porque falam da condição humana em si, falam de algo intemporal, que transcende o espaço e o tempo e não se resolve numa só época, ou seja, está sempre apto a ser melhor compreendido ou revelado mais plenamente… Deste modo, existe sempre uma ‘oportunidade’ nesta vida para nos acercarmos mais reverentemente dos seus próprios mistérios e revelações... só assim, com uma ‘mente fresca’, poderemos começar a entrever conscientemente o que ela verdadeira e universalmente significa, por meio de uma experiência intransmissível, pessoal e inteiramente particular.

Seria então interessante regressar a um famoso mito, neste caso, o Timeu de Platão, em que fica retratado o diálogo entre um dos maiores sacerdotes egípcios e Sólon que, na ocasião de uma ida ao Egipto, o indaga acerca das ‘coisas antigas’, dos mistérios das civilizações e leis mais anciãs, ao que este, por sua vez, lhe responde: «Sólon, Sólon, vós, os Gregos, sois sempre crianças, um Grego não pode ser velho». Esta surpreendente e enigmática revelação, de facto algo
desconcertante, salientava nesse contexto o facto de não existirem precisamente na época relatos ou manuscritos gregos dos mais antigos ritos, tradições ou locais, tal o célebre mito da Atlântida, que de acordo com a precisão do Sacerdote, datava de há cerca de uns espantosos nove milénios para trás. Esta fulgurante interpelação do misterioso Sacerdote visava idealmente uma só coisa: dar a conhecer aos gregos a sua própria ignorância, através de um esclarecimento maior acerca das suas mais antigas tradições e linhagens.

Mas, adaptada ao nosso caso, poderíamos nós então apropriamo-nos desta frase, e reverte-la para o seu oposto. De facto, sabendo tanto mais do que os gregos, superando abundantemente em ciência, tecnologia e conhecimento os seus saberes, seremos mais ou menos crianças do que Sólon, na sua época? É uma pergunta difícil, pois, de facto, existiu uma inegável e espantosa evolução, certamente inimaginável aos olhos dos gregos, mas aqui, talvez, a resposta resida na diferenciação entre ‘conhecimento horizontal’ e ‘vertical’. Diremos nós pois, que, em primeiro lugar, existe um conhecimento acumulativo, relativo à informação histórica, científica e temporal; e que, em segundo lugar, existe um conhecimento mais privado, interno e ‘vertical’ e que diz respeito em ir ao encontro das nossas próprias certezas acerca da Vida em si. Assim, enquanto Sólon falhava no conhecimento histórico das suas mais ancestrais linhagens, poderíamos nós indagar se sabemos algo acerca da Vida. Pois poderia algum livro ou relato oferecer-nos as respostas que dissipariam a ignorância acerca da Vida em si? Ou não adiantariam apenas a explicação dos vários fenómenos e aparentes mecanismos mais ou menos estudados da existência?

Neste dilema do que realmente significa ser ignorante ou não, uma coisa é certa: por mais antiga e datada que seja a existência humana a vida de um novo ser é sempre um novo foco de luz, um horizonte cheio de novas possibilidades. Deste modo, ao invés de assumirmos um conhecimento mais horizontal, hoje em dia, fruto dos mais diversos meios de informação disponíveis, poderíamos, por sua vez, assumir uma maior responsabilidade quanto ao reconhecimento da nossa própria ignorância ou, simplesmente, dito de outro modo, das coisas ‘tal como elas são’.

Sem uma atitude fatalística, mas, muito pelo contrário, uma abertura inédita e confiante para a realidade daquilo que ‘é’, de tudo o que está em-aberto, deste modo, diríamos nós que, depois de um ano tão conturbado e cheio de variadíssimas complicações derivadas da crise pandémica, a transformação é possível. Por isso mesmo, apelamos, por último, para que possamos ir ao encontro das nossas próprias falhas, em primeiro lugar, da nossa própria humanidade, para depois começarmos, ou recomeçarmos sabiamente, a praticar a observação consciente, o desapego e a presença luminosa, que se atualiza a cada momento dentro de nós. Assim, colocadas de lado quaisquer inseguranças ou medos quanto à descoberta interior, reparemos que esta é sempre a melhor altura para nos transformarmos, aqui e agora, independentemente da época, estação ou cultura vigente, uma vez que a redescoberta da realidade interna é um direito de nascença de todos nós. Lembremos isso nesta passagem de ano. São estes os meus votos para 2022.

Boas festas e um santo e feliz ano novo,
   


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Impresso em 29/3/2024 às 9:04

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