Fundação Maitreya
 
Tudo o que há para saber

de Miguel Ledro Henriques

em 26 Fev 2024

  O mundo sempre pareceu naturalmente tão belo, tão divertido, tão espantoso. O momento maravilhava-nos, o que tinha de ser feito simplesmente surgia, fazíamos intensamente, totalmente, absolutamente, e passávamos à próxima alegre brincadeira. As nuvens de passagem, as pedras no chão, os reflexos na água, estavam vivos, falavam connosco. Era fácil desaparecer no infinito e pontilhado céu nocturno. Cada um dos nossos dedos era uma personagem diferente numa história fantástica, agradecíamos à chuva turbulenta pelas poças que nos deixava enquanto saltávamos felizes por nos salpicarmos, a curiosidade insaciável trazia surpresas constantes. Em crianças, vivíamos num mundo mágico. Sem nos apercebermos, lenta e insidiosamente, tornamo-nos adolescentes rebeldes, adultos ocupados, ansiosos e raivosos, envelhecemos medrosos, caquéticos e tristes, e a magia desvanece-se, lembramo-nos dela apenas vagamente, em fugazes momentos de saudade melancólica.

Que aconteceu? Como pode a alegria de viver diminuir com o crescimento do corpo, em lugar de aumentar? Que espécie de magia negra é esta que nos leva a tornar-nos escravos de leis, crenças e desejos invisíveis? Como podemos tornar-nos de tal forma condicionados que pensamos, sentimos e agimos, não apenas contra o próximo, mas até contra nós mesmos? Uma vida humana, com a capacidade de ver miríades de cores e formas, inspirar os mais intensos perfumes, escutar vibrantes canções, perder-se no mundo suave e áspero do toque, deleitar-se com um universo de sabores... com a possibilidade de emoções que são inteiras obras de arte, de pensamentos com uma energia tão enorme que incendeiam multidões, de sonhos que transformam a história do mundo. E o potencial humano vai tão mais além, tão para além do que se possa até sonhar, que não é possível sequer tocar com a mente a explosão de luz e êxtase e invulnerabilidade, infinidade e eternidade e o calor do amor, que espera os seres que tenham a coragem de procurar, de se libertar, de voar...

Ao chegar à idade adulta, é um choque compreender que, afinal, as sociedades humanas não foram pensadas de raiz, criadas inteligentemente, construídas sustentavelmente. É doloroso descobrir que os nossos pais e professores não são perfeitos, que o ambiente que o próprio ser humano transformou não o nutre, que os condicionamentos a que somos sujeitos são tão profundos e por vezes tão subtis, que a maior parte de nós não sabe e nega que é prisioneiro, ou se submete “voluntariamente” com medo da mudança, ou se junta ao movimento de egocentrismo com sede de algum tipo de poder.

Mas se for escutada, investigada, e compreendida, esta dor é maravilhosa, poderosa, amorosa até, é o primeiro guardião da porta para todos os segredos da Existência.
Eu quis saber porquê, o quê, para quê. Quis compreender porque me sentia insatisfeito, como me tinha tornado insatisfeito, quão profundamente estava insatisfeito. Quis deixar-me de passividade relativamente à minha própria existência, ter autonomia de consciência, conquistar a liberdade para a alegria. E o que me encontrou é indescritível, incompreensível, inimaginável.... Experiencia-se como Luz Vibrante Intensa e Subtilíssima, como Êxtase Risonho Invulnerável e Levíssimo, como Chama Infinita de Transparência Cristalina. Outras vezes, é um Silêncio Vivo Testemunha, um Espaço Infinito de Presença Subtil, por debaixo de tudo, segurando tudo, sabendo tudo. Sabe a chegar finalmente a casa depois da mais longa das viagens, gera incredulidade por alguma vez se ter achado que de casa se tinha saído, e reverbera com a única certeza do Universo “Ahhh, é Isto que eu sou, e é só Isto que há.”

Todos os tipos e direcções de empenho humano alguma vez tomados, quer no domínio da ciência, arte ou religião , em qualquer momento da história e em qualquer lugar e cultura, dentro de uma casa, família ou nação, foram sempre tomados com o propósito de obter satisfação. Há um burburinho interior incessante, um impulso invisível, uma insatisfação permanente que propele o ser humano a procurar, a saber, a aprender. E sempre que esta busca é levada até ao fim, se – seja qual for a acção ou direcção – for seguida até às últimas consequências, o resultado é sempre o mesmo, ainda que possa ser codificado através de diferentes simbologias, línguas e conceitos, adaptados ao momento, lugar e seres em questão – são os princípios de funcionamento do ser humano, os princípios de funcionamento da Existência, e como os harmonizar e pôr em prática com vista à absoluta satisfação. Não é isto que todos nós, fundamentalmente, sejamos quem formos, fizermos o que fizermos, estejamos onde estivermos, procuramos? Satisfação, contentamento, felicidade, alegria, paz... Nisto, entre outras coisas profundas, estamos todos indelevelmente unidos.

Quando ligados entre si, quando são postos em prática em conjunto e permeando-se uns aos outros, experienciados, manifestados através da nossa própria vida, os princípios da
Existência mostram um movimento contínuo, um fluxo, um estado de ser, que é vivido como, que é, a própria harmonia, a própria criatividade, o próprio Ser, o próprio “acto” de Existir. É este estado de consciência que também percepcionamos como satisfação em todas as suas variantes de qualidades e intensidades, desde o ligeiro conforto até ao Supremo Êxtase. É o Movimento Arquetípico da Existência, o Movimento Modelo sobre o qual todas as outras coisas são construídas, se movem e são destruídas, é o Ser Supravivo ao qual a humanidade já chamou de Brahma, Pranava, Ohm, Te, Espírito Santo, Força Criativa, Eternidade, Consciência Pura, Luz Divina, Fogo Divino, que se vivencia como Fluxo de Radiância Luminosa. Ele está sempre em todo o lado, permeando tudo, originando tudo, e nós temos a maravilhosa capacidade latente de nos abrir conscientemente a Ele, de permitir que se manifeste através de nós na sua totalidade – a capacidade de Auto-Consciência, de Libertação, de União. Somos como uma pequena célula com a possibilidade de decidir a qualidade e a intensidade da harmonia na qual vivemos com as restantes células e o organismo do qual fazemos parte, e o Organismo é o Fluxo. O grau ao qual temos o amor, inteligência e intensidade de nos deixar assim permear é o grau no qual podemos manifestar, e portanto experienciar como sendo nós mesmos, mais amor, inteligência e intensidade, desde os germinais e jovens movimentos egóicos quando resistimos total ou parcialmente a esta Realidade, ao Amor Universal, Omnisciência e Omnipotência, quando a União é Total.

E quando a União é Total, desaparecem até a percepção e experiência do Fluxo, desvanece-se qualquer resquício de qualidade e intensidade, dissolve-se até a mais ínfima noção de “eu”, e a gota da consciência individual funde-se absolutamente com o Oceano, ao qual os sábios chamaram de Parabrahman, Tao, Deus Pai, Silêncio Vivo, Infinidade, Existência Pura, e cuja experiência é inominável, mas pode ser incompletamente simbolizada como Presença Oceânica de Espaço Infinito e Silencioso.

Mas isto são apenas palavras, e ainda que belas e emocionantes, ó como são pobremente insuficientes. Como podemos percorrer por nós mesmos um caminho que nos leve à certeza, à verdade auto-conseguida, à liberdade auto-suficiente? Como podemos certificar-nos directamente destes princípios de funcionamento do ser humano e da Existência? Como chegar ao conhecimento real, à vivência do que eu sou, à auto-realização? Como alcançar, pondo-o em conceitos simples, a Satisfação Plena Inabalável?

Curiosamente, a resposta é simples, ainda que difícil de aplicar. Os passos deste caminho são sempre os mesmos, foram comunicados pelos sábios ao longo de todas as eras e culturas, são seguidos de forma quase inconsciente pelo método científico moderno, e o fluxo que os passos formam já foi vivenciado de uma ou outra maneira por todos nós. Este é o processo espiritual.
Todos os seres humanos, quer o saibam ou não, estão no processo espiritual. É isso, aliás, que existencialmente significa ser humano. A única diferença está em se o fazem voluntariamente, entregando-se de bom grado esses passos, ou se tentam combater a vida, sofrendo fricção sem perceber porquê no entretanto – como diz um grande ser, “Todos vamos inevitavelmente para a mais bela das praias, a nossa escolha jaz em se vamos alegremente pelo próprio pé, ou preferimos ser arrastados, embatendo em tudo o que há pelo caminho.” O caminho da resistência é o caminho indirecto, em que há a quase constante sensação de se ser arrastado pela vida como uma folha numa tempestade; o Caminho da entrega é o Caminho Directo, aquele em que inicialmente dançamos corajosamente em busca das essências por debaixo das formas, dos ensinamentos por detrás dos acontecimentos, das mãos que movem as coisas, alcançando progressivamente a consciência de que os acontecimentos da vida são só vestes para os princípios, os passos, do Movimento Arquetípico, e finalmente alcançando o estado de ser que se assemelha a ser amorosamente embalado pelo mais maternal dos oceanos.

O processo espiritual é todo aquele que leva ao estado de ser de amor, sabedoria e poder, de harmonia com a vida e União com a Existência, e um dos seus veículos mais importantes é hoje denominado meditação. Para falar sobre meditação, temos naturalmente de falar sobre tudo aquilo que é realmente importante para todo o ser humano.

Primeiro, é muito importante que saibas “porquê”, ou “para quê”, queres meditar. E qualquer que seja a razão para qualquer um de nós, quando vamos em busca da sua origem surge sempre o mesmo fenómeno – o fenómeno geralmente expresso como insatisfação. A insatisfação pode ser de vários graus de intensidade e qualidade, podendo ser dividida em desconforto, dor, sofrimento ou miséria. Pode ir de uma sensação geral difusa sem causa aparente, a um saber preciso e agudo que se pode relacionar com um elemento específico da tua vida. E podes estar numa posição em que queres afastar-te da insatisfação porque já não consegues suportar mais o negrume que te faz sentir; ou podes estar a viver uma vida teoricamente fantástica, mas no teu âmago sabes que falta alguma coisa, que há algo melhor, que queres mais. Quase todo o ser humano à face da Terra encaixa numa destas descrições, quer subtil ou claramente (gostaria de sugerir intensamente ao leitor que não espere para se encaixar na primeira das posições, mas antes mergulhe voluntaria e vorazmente na segunda). A insatisfação pode parecer “algo que está errado”, mas na realidade é um claro sinal, um dedo a apontar e uma porta para atravessar, é o pré-requisito para o processo espiritual consciente. É a passagem da ignorância da ignorância, para o conhecimento da ignorância. E deve ter intensidade suficiente para que nos impeça de tomar levianamente o que vem a seguir.

E foi então que ouviste falar de meditação. De alguém ou algures, ouviste que é um método para eliminar o sofrimento, para te tornares melhor ser humano em geral ou em algo em particular, para ser mais saudável, mais consciente, mais inteligente, mais amoroso, mais poderoso, para tomar a vida e evolução nas tuas próprias mãos, ou até mesmo para te descobrires e aos segredos da Existência. Bem, meditação é tudo isto e muito mais, de maneiras que garanto não consegues ainda nem imaginar, de maneiras que agora considerarias como magia ou ficção.

Como muitas das coisas no rápido mundo moderno, a palavra e o fenómeno por detrás de meditação foram tomados e espalhados superficialmente, o que resulta em ignorância, e pode mesmo levar a que o processo tenha o resultado oposto ao que se pretende. O indivíduo pode mesmo magoar-se através de coisas às quais alguns chamam “meditação”. Esta não é o fechar dos olhos e forçar a mente a parar. É vitalmente importante compreender desde o próprio princípio e relembrar constantemente que qualquer forçar, qualquer tensão voluntária, qualquer luta, qualquer tipo de violência, mesmo que subtil, vai precisamente na direcção oposta ao processo meditativo.

O que é, então, a meditação? Na realidade, não é um método, uma prática, como ouvimos todos dizer. Meditação é um estado de consciência, um estado de ser, a “meta” da prática que pretendemos começar. A palavra meditação está intimamente relacionada com a palavra medicina, e de acordo com as mais recentes línguas-raízes grego e latim, ambas significam “saber o melhor caminho”, podendo também ser traduzidas como “ponderar”, “contemplar”, “concentrar” e “mergulhar ou estar no seu próprio centro”. Em sânscrito antigo, uma das primeiras línguas faladas e escritas do mundo, esta temática é abordada com maior precisão científica. Existe o termo “dharana”, que pode ser traduzido como “atenção focada”, “suporte”, ou “concentração”, ou seja, colocar a atenção intencionalmente num fenómeno; o termo “dhyana”, que pode ser traduzido por “concentração sem esforço”, ou “meditação”, ou seja, manter o fluxo da atenção intencionalmente num fenómeno prolongadamente; e o termo “samadhi”, que pode ser traduzido por “dissolução meditativa”, ou “união”, ou seja, manter o fluxo da atenção intencionalmente num fenómeno de tal maneira que a experiência de observador e fenómeno observado desaparece, sendo substituída por um estado de dissolução, fusão ou união de ambos, caracterizado por puro conhecimento, puro ser, puro um.
Enquanto o movimento de concentração pode ser iniciado por uma intenção mental, a meditação é o resultado natural espontâneo da estabilização da concentração, e como tal, se quisermos ser exactos, não pode ser forçada, iniciada ou praticada. Da mesma maneira, a União surge por si mesma, livremente, como resultado da paciente e tenaz prática da concentração, seguida da estabilização sem propósito em meditação.

Agora, o leitor poderia pôr a pergunta: “Mas porque quereria eu ter a experiência de desaparecer, de me dissolver? Estou apenas à procura de uma maneira de escapar do sofrimento, ou de ser feliz, ou de ser melhor.” Ora, ao olhar cuidadosamente para qualquer um dos momentos da tua vida nos quais houve total satisfação, quando houve intenso amor, felicidade, paz, calma, alegria, é fácil descobrir que, tal como no período da infância que já mencionámos, aqueles foram momentos em que havia total união com a experiência, com o que estavas a fazer, com o simples ser – foram momentos em que realmente te esqueceste de ti (para ser mais preciso, em que te esqueceste que estás acostumada/o a pensar que és tu) enquanto algo separado do resto do mundo, e havia apenas a vivência de um fluxo, um aqui e agora contínuo, sem qualquer perturbação do passado, futuro, mente, desejo. Paradoxalmente, é quanto tu enquanto personalidade estás menos lá que te sentes mais viva/o e elevada/o. Nesses momentos, não há “eu” – há simplesmente Ser, simplesmente Existência.

Mas estes momentos são sempre passageiros, e pelo caminho parecemos aprender que precisamos de esperar que algo aconteça no mundo para os produzir, para nos dar satisfação, amor, alegria. Tornamo-nos condicionados a pensar que aquilo que queremos tem de acontecer, ou o que não queremos não acontecer, para que possamos ser felizes, estar num bom estado de consciência, ter uma boa vida. Pouco a pouco, quase imperceptivelmente, tornamo-nos prisioneiros das nossas preferências, escravos daquilo que é chamado de ego, o mesmo que personalidade. E é para isto que entramos no movimento de concentração, meditação e União – é o processo de cortar as grilhetas, largar as correntes, tornar-nos livres, realizar que os nossos estados de consciência, os estados de ser, não são dependentes de nada externo: nós criamos a qualidade da nossa vida. A concentração, meditação e União – a simultaneidade dos três denomina-se em sânscrito “samyama”, que traduziremos a partir de agora por fluxo espiritual – levar-nos-á experiencialmente, directamente, e para lá de qualquer dúvida, daquilo que sentimos agora ser – o conteúdo da consciência, a sempre em mudança confusão de pensamentos, emoções, desejos e percepções sensoriais – ao que mais verdadeira e profundamente somos – a própria consciência, puro saber. O processo mostra-nos gradualmente o espaço entre o nosso ser e as suas experiências, permite-nos dar mais e mais passos atrás afastando-nos do palco da vida, abrindo e amplificando a nossa perspectiva, até que nos encontramos com a certeza clara de que somos a luz que ilumina aquele palco. Mas é certamente melhor não imaginar como pode ser o fluxo espiritual, isso criaria uma expectativa, e daí a uma preferência é um passo muito curto, o que seria ainda outra barreira perante aquilo que Realmente É. Insistamos sempre em usar a nossa atenção como um espaço completamente vazio, um quadro totalmente em branco, pois o que procuramos é a pura verdade.

Gostaria de tomar apenas mais alguns momentos para explicar como isto é útil no teu caso, com o desafio específico que atravessas de momento, e com qualquer outro que possa vir a surgir adiante na vida. Sabes, até ao momento em que se inicia este movimento, toda a experiência da vida tomou uma direcção, e através do processo espiritual a direcção vai ser totalmente invertida. Até esse momento, de uma ou outra forma, com maior ou menor intensidade, sente-se como se a vida nos estivesse a consumir, a obrigar, a confundir. Se conseguirmos ser honestos connosco mesmos, teremos de admitir que só há duas coisas das quais estamos absolutamente certos, que ninguém nos ensinou, não lemos ou apanhámos de algum lugar, e que ninguém nos pode tirar, de que ninguém nos pode convencer do contrário – existimos, e sabemos que existimos; por outras palavras, existimos, e estamos cientes de que existimos. Isto significa que a nossa experiência mais fundamental, que a origem de todas as outras percepções, que a raiz da nossa vida, é essa existência-consciência. E podemos facilmente discernir que a consciência pode ser ainda conceptualmente dividida em dois elementos – atenção e intenção. Consciência é atenção com intenção. Isto é fácil de compreender – há pensamentos, emoções, desejos, o corpo e sentidos, mas há ainda outra camada na nossa experiência, a mais fundamental, precedendo, sustentando e vendo todas as outras: o sentido de “Eu sou”, a sensação de Ser. Não a podes ver, tocar, sentir da maneira habitual – simplesmente sabes, directamente e sem qualquer espaço para dúvida, que “És”. Mas mesmo que não tenhas ainda a clara noção de que és consciência (à parte de personalidade, o nome que te deram, o corpo que vivencias), à medida que avançamos nesta exploração vais pensar que faz sentido, e sentir profundamente que assim é.

O organismo humano é uma tecnologia espectacular, a mais avançada do nosso universo conhecido – sempre que me ponho a contemplar este facto, todas as coisas que o nosso organismo faz, todas as possibilidades, sinto lágrimas de gratidão e espanto. Esta tecnologia funciona como um receptor, transformador e emissor de energia, basicamente como um aparelho de tv muitíssimo avançado – tanto os ensinamentos perenes como a física moderna provaram para além de qualquer dúvida racional que tudo aquilo que percepcionamos como matéria são puramente ondas energéticas, traduzidas em percepções sensoriais pelos nossos órgãos dos sentidos – que converte vibrações energéticas em imagens, som, toque, odores, sabores, e também emoções, pensamentos, desejos.

Desde o início da vida consciente, vivencias as coisas pondo a atenção nelas. Quando a atenção se estende através dos olhos, o que está a acontecer é que esticas um pedaço de consciência, um pedaço de ti mesma/o, através dos olhos, tocando um fenómeno vibratório do mundo, e traduzindo-o na imagem, emoção ou o que quer que seja que acabas por vivenciar. Para propósitos adaptativos, nos primeiros meses ou anos de vida a atenção estende-se para todo o lado, sem limites, sem restricções, sem condições, absorvendo o mundo tão depressa e profundamente quanto possível.
Há pouca intenção auto-consciente nessa altura, simplesmente vamos ao que surgir. Idealmente, iriamos com todo o nosso ser, toda a atenção, absoluta dedicação, à experiência que estamos a ter no momento, e depois deixá-la-íamos passar completamente, para mergulhar da mesma maneira na experiência seguinte. Se assim fosse, todo e cada momento teria um intenso, profundo e extasiante impacto até ao núcleo do ser. Cada som, cada imagem, cada onda de emoção, tocar-nos-ia como o mais belo e importante acontecimento das nossas vidas. De certa maneira, isto é o que acontece com a maior parte das crianças, e é por isso que parecem sempre tão despreocupadas, tão alegres, tão “na zona” – elas querem apenas brincar, não importa com o quê, pelo que tudo o que vem é maravilhoso. E elas aprendem a uma velocidade tremenda no processo de brincadeira – não é lindo, que a mais eficiente e duradoura aprendizagem aconteça precisamente quando se está menos preocupado e mais feliz? Mas ao longo do caminho, os pequenos humanos vão começando a deixar a sua atenção mais demoradamente nalgumas vivências, em lugar de as deixar passar completamente (a ciência yógica chamou a estes “tentáculos” de consciência, à atenção que se estende através dos diferentes aparelhos perceptivos, indriyas). Uma voz mental começa a dizer “gosto disto”, “não gosto daquilo”, e o fluxo da vida começa a mover-se aos soluços. É que, como tu és esta atenção, e como de cada vez que decides “gosto” ou “não gosto” um “quero” ou “não quero” é quase automaticamente criado, começas a deixar pedaços de ti em forma de tentáculo invisível agarrados a essas vivências. É assim que são criadas as preferências, a totalidade das quais forma o que se chama hoje de ego, e que passas firmemente a acreditar que és e deve ser afirmado.
Aquelas de que estás mais ciente e não te envergonhas, usas como um crachá e chamas orgulhosamente personalidade; aquelas de que estás menos ciente ou não queres admitir carregar, formam aquilo que é hoje geralmente chamado de subconsciente. Agora repara, toda a tua vida tens vindo a deixar pequenos ou grandes pedaços de ti agarrados a coisas do mundo. Foste deixando de ser capaz de ter experiências profundas constantemente, sentindo menos e menos energia para existir, aprendendo mais e mais devagar, e tornando-te mais e mais desconfortável com a mudança.

Começaram a surgir todo o tipo de medos sob a forma de ansiedade, frustração, raiva, orgulho, inveja, porque constante e inconscientemente tentas proteger aquelas preferências, tentas tornar o mundo como achas que deve ser, tentas reafirmar aquilo que a voz na cabeça te diz que és. E para diminuir o volume desconfortável da insatisfação, para tentar encobrir o medo, corres de distracção em distracção, do trabalho para a tv, para as redes sociais, conversas supérfluas, sair à noite, tentando que não haja nem um momento livre contigo mesma/o, em silêncio, pois lá no fundo sabes que a mente começará a gritar todas as coisas que tens vindo a acumular e tentar esconder, e a dor poderá ser insuportável. Espanta-me sempre, a incrível capacidade humana para andar por aí a carregar o enorme peso das suas preferências, para viver arrastando todas as coisas que sente o impulso de repetir ou reprimir, para suportar sofrimento interno atroz, quais gigantes pedras invisíveis nas suas costas,

Mas essa incrível capacidade pode ser-te devolvida para passar de carga a poder, toda a energia da consciência presa nesses tentáculos, nessas memórias e projecções, pode ser recuperada, para que natural e espontaneamente possas sentir-te novamente tão enérgica/o, calma/o, despreocupada/o, alegre e apaixonada/o pela vida como uma criança, e agora empoderada/o por todo o conhecimento e habilidades que coleccionaste pela vida, elevando-te conscientemente, elevando o mundo à tua volta, graças à possibilidade de te atirares sem hesitação ou temor e com todo o teu poderio ao que quer que seja necessário, ao que quer que a Existência traga.

Isto pode ser dito de outra forma: até agora, a maior parte das decisões que tomaste – e estas decisões ditam como te moves pela vida e a qualidade das experiências que tens – foram ordenadas pela mente, o dito conglomerado de preferências; esta personalidade só consegue decidir com base em memórias e as projecções que faz a partir delas, e portanto está constantemente a tentar reiterar-se, a tentar repetir o que quer e evitar o que não quer, pensando que é melhor, mais seguro, mais confortável, manter as coisas como são; mas não podes andar para a frente, aprender, crescer, expandir, repetindo vivências; desidentificando-te do ego, chegando a conhecer-te e tornando-te centrada/o no que és -- o que só é possível recuperando toda a energia da consciência --, serás capaz de tomar decisões baseando-te directamente na consciência, da maneira que tem sido chamada desde o princípio dos tempos intuição, ou inspiração. Todos nós temos estes momentos, e descobrimos que quando lhes damos ouvidos coisas incríveis, transformadoras e elevadas acontecem. Mas acontecem esparsamente, são pouco claros, e muitas vezes temos medo de lhes dar continuidade porque a mente toma o comando e nos convence de que sabe melhor, de que poderíamos cair, de que poderíamos cometer erros.

Através do processo espiritual, esta voz da consciência torna-se bem mais clara e precisa que a da mente, notícias fantásticas, tendo em conta que tanto os ensinamentos perenes como a ciência moderna mostram que a consciência pura, estando ligada/ sendo parte daquilo que é hoje chamado campo quântico, ou campo do ponto zero – o tecido fundamental do Universo a partir do/ no qual tudo o que existe é fabricado, o Organismo Único que é a Totalidade da Existência – tem acesso ao resumo integrado de toda a informação que existe. Para nós, isto significa que, quando estamos naturalmente, sem esforço e fluidamente ligados à consciência, quando temos clara noção de que somos a consciência e lhe damos ouvidos, experienciamos clara e cristalinamente todo o movimento da vida à nossa volta e sabemos, tão certamente como sabemos que existimos, como responder, para onde ir, o que fazer. Não há sequer qualquer fricção, qualquer contradição, qualquer esforço. Simplesmente saberás o que vem naturalmente a seguir. Só precisas de ver e soltar as correntes dos condicionamentos, recuperar a tua energia, realizar o teu verdadeiro ser. Esta é a reversão da direcção da vida ordinária, este é o Caminho da concentração, meditação e União – este é o processo espiritual.

Agora, fundamentalmente, aquilo que aprendemos durante o processo espiritual é o mesmo que aprendemos através dos altos e baixos da vida mundana, mas no primeiro caso aprendemos muito mais depressa, de maneira mais bela, e com muito menos sofrimento. O que aprendemos é um processo, um movimento interior, um fluxo, que é a origem e leito de todo e cada fenómeno que existe. Está contido e pode ser experienciado na respiração, no caminhar, no pensar, nos movimentos dos seres celestiais, nos ciclos do dia e noite, em cada sentimento, cada forma e cada som. É o fluxo da atenção, aceitação silenciosa, e deixar ir; do surgir, mover, e desaparecer; do ver, abrir espaço para ser, e deixar ser; saber, deixar o conhecimento reverberar, e relaxar. Numa palavra, este movimento é o amor. Contém as três funções da consciência humana, as mesmas três funções da Consciência Universal – amor, inteligência e poder, ou sentir, pensar e querer. É como a contínua, suave, transparente, quente, luminosa ardente chama calma de uma vela. Através tanto da vida mundana como do processo espiritual, aprendemos a ser mais subtileza e mais intensidade, e cada pensamento, sentimento, desejo e acção transforma-se de mais grosseiro, turvo, instável, caótico, trémulo, em mais fino, claro, estável, harmonioso, radiante. Durante o processo espiritual, temos oportunidades concentradas de ver cada pedaço das acumulações mentais, emocionais e físicas recolhidas durante a vida e que permanecem um fardo pesado, pomo-las à vista clara da consciência, e aprendemos a deixá-las ir, dissolver-se, relaxar, desaparecer por si mesmas. Desta maneira as vivências são digeridas sem esforço, a aprendizagem torna-se natural, e a consciência, aquilo que realmente és, cresce em beleza, força, verdade e bondade.

Como podes ver, meditar não é fechar a percepção e forçar a mente a parar, mas é antes quase precisamente o oposto: meditação é a coragem de ver tudo o que vem, o compromisso de abraçar tudo que há a ser visto, e o poder amoroso de deixar ir; meditação é a intensa mas aberta questão dirigida à Existência – com toda a tua mente, todo o teu coração, toda a tua vontade, todo o teu amor, todo o teu ser – “que és tu?”, e ter então a audácia e paciência de se restringir de responder, esperando antes indefinidamente pela resposta, sem qualquer pretensão de que venha uma, e seja qual for a forma em que vier; meditação é consciência sem escolha, que te leva na viagem de tornar-te consciente de todo e cada elemento do teu ser.

Sim, a satisfação, verdade e liberdade dão trabalho. Mas também o dão a insatisfação, ignorância e escravidão. Em qual preferes investir o teu precioso tempo nesta vida?

A princípio, a mente torna-se ruidosa como uma multidão enlouquecida, ou faz birras como uma criança cansada, pois abres a porta a todas as vozes e manias que tentaste esconder ao longo das eras – tem coragem e paciência, passará inevitavelmente (afinal, não fugirias de ou serias violenta/ o para com uma criança em sofrimento); a seguir, a confusão, o medo, frustração, ansiedade, raiva, progressiva mas claramente diminuem o volume; então, súbitos e espontâneos surtos de calma, alegria e amor começam a surgir por si mesmos, sem aparente razão; eventualmente, serás um puro fluxo de paz, radiância e conhecimento, e tudo o resto simplesmente flutuará através do espaço de luz que saberás que és. Com dedicação e tempo, todo e cada momento da Existência tocará o teu âmago e reverberará pelo infinito espaço do Ser, enquanto nada, nem o mais escuro e pesado fenómeno da vida, te poderá mover do estado de amor, alegria e invulnerabilidade que será a tua casa permanente.

Só então começará a Verdadeira Vida.

A palavra religião, hoje infelizmente associada ao conceito de instituição composta por grupos de pessoas associadas a determinados dogmas e rituais, na realidade e originalmente significa o mesmo que a palavra sânscrita yoga, isto é, união. Escrita com minúscula seria a palavra utilizada para denominar um conjunto de ensinamentos e métodos para se alcançar a Auto-consciência, a Auto-realização, a União com a Existência; e escrita com maiúscula seria utilizada para denominar este mesmo Estado Último.
   


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Impresso em 29/3/2024 às 11:39

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