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Porquê ir a um mosteiro?
de Ajahn Candasiri em 19 Mar 2007 ![]() Outro tipo de instinto de sobrevivência é a nossa resposta ao perigo, quer nos voltemos e ataquemos o que é percebido como uma ameaça à nossa sobrevivência, quer tentemos escapar disso. Esta é a base para dosa, ódio ou aversão. Claramente, isto também, tem um lugar importante na natureza. Mas mais uma vez nós ficamos confusos e o que acabamos por defender é não tanto o corpo físico, mas o sentido do eu pessoal que percepcionamos acerca de nós próprios, em relação a outro. O terceiro fogo, que muito naturalmente precede os dois anteriores, é a ilusão, moha; é o não ver realmente com clareza ou não compreender o modo como as coisas são realmente, não perceber o que é ser um Ser Humano. Tendemos para nos colocar a nós próprios e aos outros como personalidades, ou eus. Mas isto são apenas ideias ou conceitos, os quais redimensionamos em relação a outros conceitos de quem ou o quê deveríamos ser. Então, se alguém vem e desafia esse eu, isso pode criar uma forte reacção em nós; instintivamente atacamos, defendemos ou tentamos fugir da presumível ameaça. Realmente, é algo de loucos, quando pensamos acerca disso. Tal como referi, havendo Buddha apontado a natureza da doença, também apontou a cura. Isto foi transmitido sob a forma de simples ensinamentos, os quais nos podem ajudar a viver de uma maneira que nos possibilite conhecer, e por conseguinte libertarmo-nos, dessas doenças; e também evitar fazer coisas que as agravem. Isto conduz-me à real razão que nos traz a um mosteiro. Nós queremos libertar os nossos corações da doença, dos laços do desejo e da confusão; e reconhecemos que o que nos é ofertado aqui é a possibilidade de realizar isto. É claro que pode haver outras razões: algumas pessoas realmente não sabem porque vieram, elas simplesmente sentem-se atraídas pelo lugar. Então o que é que se passa acerca do mosteiro que é diferente do que se passa fora dele?... é um local que nos relembra da nossa aspiração e potencial. Lá estão as belas imagens, do Buddha e dos seus discípulos que parecem irradiar um sentimento de calma, tranquilidade e estado de alerta. Também aqui encontramos uma comunidade de monges e monjas que decidiram viver seguindo o estilo de vida que o Buddha recomendou para curar essas doenças. Tendo reconhecido que estamos doentes e que precisamos de ajuda, começamos a ver que a cura está em direcção oposta aos caminhos do mundo. Nós vemos que se nos vamos curar a nós próprios, precisamos primeiro, compreender a causa da doença, a qual é o desejo. Então, precisamos de compreender os nossos desejos para ficarmos livres e para sermos um Eu separado deles. Então ao invés de seguirmos os nossos desejos, os examinamos de perto. A disciplina que seguimos é baseada em preceitos, os quais, usados sabiamente, criam um sentido de dignidade e de auto-respeito. Eles refreiam-nos de acções ou palavras que são prejudiciais a nós próprios e aos outros, e delineiam um padrão de simplicidade ou renúncia. Perguntamos a nós próprios: «O que é que eu realmente preciso?» ao invés de responder às pressões da sociedade materialista. Mas como os preceitos nos ajudam a perceber estes três fogos? De uma certa forma o que a nossa disciplina monástica nos oferece é um receptáculo com o qual nós podemos observar o desejo mal ele desponta. Nós delibera Assim, como no caso da luxúria ou da aversão, nós podemos reconhecer que estas são energias naturais que todos têm. Não estamos a dizer que é errado, por exemplo, ter desejo sexual ou mesmo de o seguir nas apropriadas circunstâncias, mas reconhecemos que isso é para um propósito particular e que trará um certo resultado. Como monges e monjas nós decidimos que não queremos ter crianças. Nós também reconhecemos que o prazer da gratificação é muito fugaz, em relação às possíveis implicações a longo prazo e responsabilidades. Então nós escolhemos não seguir o desejo sexual. Contudo, isto não significa que nós não o experienciamos; que assim que rapamos as nossas cabeças e que pomos um rôbe paramos imediatamente de experienciar qualquer tipo de desejo. Na verdade, o que pode acontecer Com certeza que a nossa experiência desses desejos aumenta quando vimos para um mosteiro. Isto acontece porque na vida de leigos nós podemos fazer todo o tipo de coisas para nos sentirmos bem, normalmente sem termos consciência do que estamos a fazer. Algumas vezes, existe apenas uma subtil noção de desconforto, seguida por um movimento em direcção ao exterior, de modo a alcançar algo que nos alivie, movimentando-nos de uma coisa para a outra. No mosteiro já não é tão fácil fazer-mos isto. Nós atamo-nos deliberadamente de modo a podermos olhar as nossas motivações, energias ou desejos que de outra forma nos manteriam normalmente em movimento. Agora poderão perguntar: Mas que tipo de liberdade é esta? Atando-nos a nós próprios numa situação em que somos constantemente reprimidos, tendo sempre que nos conformar? Tendo sempre que nos comportar de uma determinada maneira; de fazer vénias de uma determinada maneira e em determinadas alturas; cantar a uma determinada velocidade e tom; sentar num lugar especifico ao lado de pessoas específicas ao lado das quais me venho a sentar ou atrás da Ajahn Sundara durante os últimos quinze anos!... Que tipo de liberdade é esta? Isto traz liberdade da escravidão do desejo. Mais do que sem qualquer esperança, cegamente ser puxado de um lado para o outro pelo nosso desejo, nós somos livres para escolher actuar de maneiras que são apropriadas, em harmonia com aqueles ao nosso redor. É importante perceber que "libertação dos desejos" não significa "não ter desejos". Nós poderíamos sentir-nos muito culpados e realmente debatermo-nos se pensássemos dessa forma. Tal como disse anteriormente o desejo é parte da natureza, apenas tem sido distorcido como resultado do nosso condicionalismo, do nosso crescimento, dos valores da sociedade e da educação. Não nos vamos ver livres dele sem mais nem menos - apenas porque queremos, ou porque sentimos que não deveríamos ter desejo; é na verdade uma abordagem mais subtil que é requerida. A forma monástica e os preceitos ajudam-nos a criar um espaço pacífico em torno dessas energias de desejo, de forma a, tendo surgido, elas poderem extinguir-se por falta de combustível. É um processo que requer grande humildade, pois primeiro temos que reconhecer que o desejo está lá, o que pode trazer muita clareza a cerca dos nossos defeitos. Frequentemente, particularmente na vida monástica, os nossos desejos podem ser extremamente mesquinhos; o sentido do nosso eu pode ser trazido à tona em coisas muito triviais. Por exemplo, pode ser que nós tenhamos uma ideia muito forte acerca de como as cenouras devem ser cortadas; assim, se alguém sugere que o façamos de maneira diferente podemos ficar muito alterados e tomar uma atitude defensiva! Então precisamos ser muito pacientes, muito humildes. Felizmente, existem alguns simples pontos de referência, ou Refúgios, que pode providenciar segurança e uma noção de perspectiva, no meio do mundo caótico dos nossos desejos. Est O Buddha sugeriu algumas formas simples de transformar a nossa vida nesse sentido. Essas são chamadas as "Fundações da Plena Atenção". Uma das que eu uso bastante na minha prática é a plena atenção do corpo. O corpo pode ser um muito bom amigo para nós, pois ele não pensa! A mente, com os seus pensamentos e conceitos pode sempre confundir-nos, mas o corpo é muito simples e podemos notar como é que ele está no momento. Por exemplo, se alguém age ou fala de uma forma que eu me sinto intimidada, eu posso notar a minha reacção instintiva, que é criar tensão numa atitude defensiva, e talvez responder de um modo agressivo. Contudo, quando eu estou consciente do processo eu posso escolher não reagir dessa maneira. Ao invés de respirar fundo, e de seguida empolgar-me, eu posso concentrar-me na expiração relaxando de modo a tornar-me uma presença menos ameaçadora para a outra pessoa. Se, através da plena atenção, eu poder abrir mão da minha atitude defensiva, os outros também podem relaxar ao invés de se perpetuar o processo de reactividade. Deste modo podemos trazer um pouco de paz ao mundo. As pessoas que visitam mosteiros muitas vezes mencionam a pacífica atmosfera que lá encontraram. Mas isto não é porque todos se sentem muito pacíficos ou experienciando a Graça ou felicidade continuamente; eles podem estar a experienciar todos os tipos de coisas. Na verdade, uma irmã disse que ela nunca havia experienciado tanta fúria homicida ou tão poderosos sentimentos de luxúria até ela ter entrado para a comunidade monástica (Sangha)! O que é diferente num mosteiro é a prática. Então seja o que for que os monges e as monjas estejam a passar, eles estão pelo menos a fazer o esforço de estarem com isso presente, suportar com paciência, ao invés de sentirem que não deveria ser assim ou de tentarem mudar. A forma monástica providencia uma situação, na qual, a renúncia e a restrição são as condições próprias para o surgimento de sentimentos ardentes; mas também existe a presença de outros samanas que ajudam a reafirmar a confiança. Quando estamos realmente atravessando algum processo mais difícil, podemos falar com um irmão ou irmã mais experiente cuja resposta será provavelmente algo do género: Oh sim, não te preocupes acerca disso, isso vai passar! Isso também me aconteceu! É normal, é simplesmente parte do processo de purificação. Sê paciente. Então encontramos a confiança para continuar, mesmo quando tudo parece desmoronar-se ou tudo, parece completamente louco dentro de nós. Indo a um mosteiro, encontramos pessoas que querem olhar e perceber a origem causadora da ignorância humana, do egoísmo e de todas as coisas abomináveis que acontecem no mundo; pessoas que querem olhar dentro de seus próprios corações e testemunhar a avareza e a violência que outros, lá fora, estão sempre preparados para criticar. Através de experienciar e de saber essas coisas aprendemos como fazer paz, aqui mesmo em nossos corações, de forma, a que elas cessem. Então talvez, ao invés de simplesmente reagir perante a ignorância da humanidade e contribuir para a confusão e violência que vemos à nossa volta, sejamos capazes de agir ou falar com sabedoria e compaixão de maneira que ajude a trazer uma noção de bem - estar e harmonia entre as pessoas. Então não é uma fuga, mas uma oportunidade de darmos a volta e enfrentarmos todas as coisas que havíamos tendido a evitar em nossas vidas. Através de calma e corajosamente, compreendermos as coisas tal como elas são, começamos a libertarmo-nos de dúvidas, ansiedades, medo, avareza, ódio e de todo o resto, que constantemente prende-nos em reacções condicionadas. Aqui temos o suporte de bons amigos e uma disciplina e ensinamentos para nos ajudar a mantermo-nos num percurso no qual por vezes parece impossível continuar! Possamos todos realizar a verdadeira liberdade. ![]() |
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