Fundação Maitreya
 
O Tauísmo - 2ª Parte

de Lubélia Travassos

em 17 Mai 2007

  Carl Jung disse que a vida podia ser dividida em duas partes. Na primeira parte da vida necessitamos de chegar a um acordo com o mundo, e de facto a maior parte de nós consegue tornar isso possível. Contudo, na segunda metade da vida, a partir dos quarenta, sentimos necessidade, de um modo crescente, de chegar a um acordo connosco próprios. Num período fragmentado esta é uma tarefa difícil, então é aqui que o modelo Tauísta se torna valioso.

Agir de Harmonia com a Natureza

Carl Jung disse que a vida podia ser dividida em duas partes. Na primeira parte da vida necessitamos de chegar a um acordo com o mundo, e de facto a maior parte de nós consegue tornar isso possível. Contudo, na segunda metade da vida, a partir dos quarenta, sentimos necessidade, de um modo crescente, de chegar a um acordo connosco próprios. Num período fragmentado esta é uma tarefa difícil, então é aqui que o modelo Tauísta se torna valioso.
Os Chineses eram profundos conhecedores dos padrões da vida. Não só eram profundos conhecedores do ciclo das estações, nascimento e morte, como também da prosperidade que muda, e nós também mudamos com os anos. «A prosperidade pode cair no infortúnio e a boa sorte transformar-se em má sorte». Como deveremos então considerar isso? Segundo o que referem os Chineses: «Com desinteresse e com sossego de espírito. Considerem o mundo e as suas fatalidades com clareza de espírito, aceitem-no, ajam de harmonia com ele».

Na China as vicissitudes da vida estavam sempre presentes, em formas extremas, e atacavam rapidamente. Em toda a sua história, a China teve um serviço civil de estado presidido por um imperador remoto. As investigações do serviço civil dominavam a juventude de qualquer um que quisesse progredir. Não havia qualquer hipótese para eles, os resultados determinavam o seu futuro. Contudo, o poder e o prestígio corriam sérios riscos. Em qualquer altura poderia haver uma mudança na hierarquia, um deslize no protocolo, a manobra de um adversário, a morte de um parente, um título súbito de retransmissão, que poderiam significar longos anos de exílio, numa província muito distante. A vida da corte seria substituída pelas condições mais primitivas, os amigos seriam separados, a comunicação com o mundo civilizado da capital seria reduzida a cartas, que levavam meses a serem entregues e o indivíduo tornava-se dependente da habilidade dos seus próprios recursos, numa extensão que se torna para nós difícil de imaginar. Não é de admirar que a montanha sábia, que se tinha afastado voluntariamente do mundo para contemplar, observar e aprender com a Natureza, pudesse ser uma determinada figura popular.
Uma das ideias chave do Tauísmo é a arte de “sentir” ou a arte de “ver”, que também se pode denominar por “arte do coração”, “Sin Chu”. Por outras palavras, a arte de sentir é o cume do acto de “Wu-Wei”. É também através dela que se exprime o “génio criador” de “Te”. Pode-se ilustrá-lo por um dos símbolos do Yi-King que tem precisamente o mesmo sentido, o “Kuan”. O “Kuan”, por um lado, significa a “contemplação”, por outro o facto de “ser olhado”. Refere-se numa parte ao contemplador, e na outra ao contemplado. De acordo com Sam Reifler, ele encerra assim todas as possibilidades de acção entre um e outro».

Do ponto de vista psicológico, Kuan pode ser a revelação de nós próprios, não olhando só para o exterior, mas também para dentro de nós, onde é possível fazer recuar os limites da visão e depois escolher imagens significativas menos confusas.
Kuan simboliza, de um modo geral, a “contemplação silenciosa”. É uma maneira de “ver” e de "sentir" o mundo que encerra o sentimento profundo da ordem natural e primitiva das coisas. Kuan consiste assim em apreender o mundo sem reflectir, permanecendo totalmente disponível, numa tal simbiose com o Universo, em que nos transformamos e transformamos as coisas, seguindo o movimento sem intervir sobre ele. A pessoa que “vê” através do Kuan fica tão absorta que se apaga atrás do objecto da sua visão. Portanto, ela já não existe enquanto ela mesma, com uma consciência de si própria, mas apenas relativamente ao objecto, como um participante integrado neste. Ela não procura interpretá-lo, não faz qualquer esforço para recriar o mundo, para fixar o seu olhar, nem para estar atenta, ela deixa-se abandonar pela maravilha, pelo prodígio de perceber, mas sobretudo de “ser”. É aqui que reside o ponto essencial na arte de sentir, que não só nos oferece a possibilidade de perceber, como também a de “ser”, na natureza, como se tudo estivesse parado num instante, instante esse que não seria nem estático nem isolado.

Se na verdade alguém desejar investigar qual a aplicação real do Wu-Wei, que géneros de escolha, que atitudes ele determina na vida de todos os dias, será através do sentido de Kuan, que se lhe depararão os elementos de resposta que lhe faltam. Embora o Wu-Wei se apresente, aparentemente, como uma acção negativa, após uma segunda análise, poderá observar-se, que se trata mais de uma via anti-institucional e anti convencional, do que uma via globalmente oposta a toda a acção positiva. Tal como dizia Needham: «Não fazer é abster-se de actividades contrárias à natureza». Era assim que ele delimitava o domínio da negatividade do “não fazer”.
Poderemos, então, legitimamente, inverter a sua proposta e resolvermos perguntar: «Que significará então agir em conformidade com a natureza?». A resposta será: «Agir em conformidade com a natureza é o problema crucial do homem de Te, e mais rigorosamente ainda, o do Kuan». O que ele implicava no plano físico e exterior: «a humildade, a quietude, a não-violência, a alegria de viver, o retorno à terra, a disponibilidade, etc., agora resta-nos examinar de que maneira "anima e dinamiza" o homem interior».

Chuang-Tzu, num dos seus livros, conta-nos a história de um marceneiro, que construíra um suporte de madeira tão fora do comum que toda a gente o admirava como se fosse a obra de um Deus. Quando lhe perguntaram se utilizara algum método, ele limitou-se a responder que era um simples artífice. Todavia, antes de efectuar aquele trabalho tinha-se retirado para evitar desperdiçar as suas energias. Ao cabo de três dias deixara de pensar nas felicitações, nas recompensas e nos salários. Após cinco dias já não pensava nas críticas, nem na habilidade, nem na inabilidade. Ao fim de sete dias esqueceu-se de que tinha um corpo e membros. Logo, nesta fase nada mais existia para ele, a arte absorvia-o tão profundamente que toda a balbúrdia do mundo exterior desaparecera. Dirigiu-se então para a floresta e começou a observar a natureza das árvores. Só quando o seu olhar incidiu sobre as formas perfeitas é que a visão do suporte se projectou, e a partir daí ele começou a trabalhar. Comentou ele: «Sem isto o meu trabalho não teria tido êxito. É sem dúvida graças à conformidade exacta entre a minha natureza e a da árvore, que a minha obra parece ser a de um Deus».

Na verdade, não há resumo que defina melhor o sentido do Kuan. Para que um quadro, um belo objecto, um bom vinho, se tornem obras-primas, jóias ou uma colheita especial, não basta possuírem um domínio consumado da técnica, não basta que se encontrem reunidas certas condições, tais como material, utensílio, luz, clima; é preciso um pequeno nada indefinível a que damos diversos nomes e que depende do acaso ou do génio sem se saber exactamente do que se trata. Este pequeno “nada” para os Chineses é o agir de acordo com a natureza, que tem um nome: «a perfeição do Te e o mecanismo do Kuan».
Tal como no caso anterior, do marceneiro, ao absorver-se no Kuan, o homem de virtude liberta-se de todos os entraves. Ele expulsa os seus demónios interiores, esquece os constrangimentos, esvazia-se de qualquer pensamento, ao ponto de já não ter a mínima consciência de si mesmo. Então, no meio da intensidade do Universo, ele já só conhece o objecto diante de si, penetra-o, impregna-o e mantém-se imóvel nele. A sua natureza já não forma senão Um com a natureza do objecto, com o Tau do objecto. O homem de Te não só capta como canaliza, pela sua concentração, todas as energias que estão nele e à sua volta. Regressado à sua simplicidade primordial, arrebatado pelo seu impulso, ocupado pelo Tau, ele reencontra em si a perfeição do gesto e a habilidade do criador.

Vários outros exemplos desta comunhão perfeita entre o homem e o objecto são mencionados por Chuang-Tzu e Lie-Tzu. Entre eles, temos: «Um corcunda que apanha cigarras na ponta de uma vara, um cortador, que faz passar unicamente a sua faca onde não se lhe depara qualquer obstáculo; o artífice Chuai, que molda objectos tão perfeitos como se eles tivessem sido feitos a compasso ou a esquadro. Ou ainda, um nadador que se deixa aspirar nos remoinhos mais perigosos sem se afogar, porque segue o ritmo da água; um determinado atirador ao arco, que se distingue nesta arte, enquanto se encontra num terreno de exercícios estável e seguro, mas uma vez que se encontre na montanha perde todos os seus meios, porque tem ofício mas não alma».
Por conseguinte, a livre interpretação do homem e do objecto, do espírito e da natureza inspira o indivíduo em todas as ocasiões, em cada gesto quotidiano, se ele possuir a concentração requerida. No entanto, é na prática das artes que ela se manifesta melhor, visto que é obrigatória a quem deseja esmerar-se.

A Doutrina de Chuan Seng - A Perfeição da Existência

O Tauísta pergunta: Quais são as coisas mais importantes da vida? São: «Possuir tranquilidade mental e um corpo saudável, moderação para evitar tanto a privação como o excesso, a não intervenção e a não interferência». Esta é, por conseguinte, a doutrina de Chuan Seng, que conduz o homem à perfeição da existência, salvaguardando a integridade da vida.
Segundo a definição de Alan Watts o Tauísmo é como o “curso de um rio”, não só porque o curso de água é a sua principal metáfora, mas também porque um rio segue o contorno da terra, não se opondo, mas sim concordando com a paisagem.
Na acção Tauísta o conceito chave é o “Wu Wei”, que é o “princípio de acção do sábio”, do respeito pela vida, da harmonia com a natureza e dos ritmos naturais entre o homem e o Universo. No seu sentido mais elevado ele permite recuperar aquele paraíso conduzindo à iluminação. O Wu Wei é, sem dúvida, um dos símbolos mais importantes para o Tauísta, logo a seguir ao Tau, porque é ele que determina integralmente a conduta do sábio.

Geralmente o Wu Wei é traduzido por “não agir”, visto que “Wu” significa “não” e “Wei” “acto, esforço, fazer, efectuar”. Todavia, esta tradução é muito imperfeita porque nos sugere a ideia da passividade e da inactividade, quando afinal o Tauísmo não prega a despreocupação, mas o empenhamento total dos seres na vida e a "acção perfeita". Portanto, “Wu Wei” não quer dizer “inacção” como por vezes se pode dizer. Significa sim, abster-se da acção, que é contrária à natureza, não ir contra a natureza das coisas ou tentar fazer as pessoas ou matérias desempenharem funções, para as quais não estão vocacionadas. Significa viver convenientemente, não nadar contra a corrente. A literatura Tauísta está cheia de exemplos de profissionais que aperfeiçoaram a sua habilidade através da observação, respeitando e depois seguindo o fluxo natural da sua matéria. Temos o exemplo de tanto o Judo como o Aikido serem baseados neste princípio, onde o oponente é derrotado pela força do seu próprio ataque.
Também aliado ao precedente temos a ideia de “Li”, o ideograma que se referia originalmente à textura da madeira ou do jade. “Li” é o “modelo orgânico”, a beleza da caligrafia Chinesa, a beleza que observamos da água em movimento, dum líquido pulverizado, a beleza das ondas, das nuvens, dos minerais, das marcas das conchas. Tudo isto é “Li”, tal como o modelo da acção que acontece quando estamos de acordo com a natureza. Na origem do pensamento e do sentimento Chinês e, por conseguinte, do Tauísta, reside o princípio da polaridade, não para ser confundido com a ideia de conflito ou de oposição.

Nas metáforas de outras culturas a luz está em conflito com as trevas, a vida com a morte, o bem com o mal. O Tauísta vê ambas estas partes inseparáveis de um todo orgânico. O “Yin” e o “Yang” são polaridades, não contrários. Eles figuram o aspecto exterior do Tau e de toda a realidade fundamental. O “Yin”, é tudo o que é feminino, passivo, existencial, obscuro e natural; o “Yang”, é tudo o que é masculino, activo, luminoso, criador e associado ao céu. Da alternância de um e do outro nasce a totalidade das combinações possíveis da natureza; a sua interacção é considerada pelos Chineses como estando na base do que ocorre verdadeiramente no mundo.
O Yin e o Yang são por assim dizer os lados brilhantes e sombrios da mesma colina, parte de um sistema único, no qual cada qualidade contém a semente do seu oposto. É uma visão linear tanto cíclica como oposta do tempo em mudança. Isto é, nós desejamos ter saúde sem doença, juventude sem idade, prosperidade sem pobreza, e sentimo-nos desesperados quando não podemos ter isso. O Tauísta não impõe a sua vontade, ele procura o significado. «O que é que sempre se afasta quando é perseguido?» pergunta o Tauísta, que responde: «Tu próprio».

Quando se envelhece, parece que o mundo se torna um sonho, o tempo passa mais rapidamente, a substância torna-se mais fina, as pessoas mais insubstanciais. No Ocidente temos a tendência para pensar de forma diagramática, num mundo de elementos separados. Admitimos que estamos a observar uma estrutura construída de blocos sólidos de construção, de muitas formas e tamanhos, tudo independente do observador.
Para o Tauísta existe a unidade, o Tau, que é uma teia sem costura, de movimentos inquebrantáveis, preenchida com sinuosidades, ondas, contornos, ondulações, cristas momentâneas, tendo o observador e todos nós como sendo funções integrais daquela teia. Não há qualquer acontecimento, nem qualquer processo que se repita exactamente. A teia imensa, universal, de mudança rotativa não se altera. É um bloco não esculpido, é a matriz “do ser e do não ser”, que se engendra mutuamente. Por isso, o Universo é orgânico e relacional, não mecânico, nem absoluto. A arte da vida é mais semelhante à navegação do que ao combate. É importante compreender os ventos e as marés, as estações, os princípios do desenvolvimento e a decadência, para usá-los, não para combatê-los.

Tudo isso conduz ao “Te”, que é a expressão do Tau da vida. “Te” é a tranquilidade, a virtualidade daquilo que acontece pela graça de Deus. É simples, porque não é planeado, não é consciente de si mesmo; é um perito natural na liderança de questões sociais, pessoais e práticas, baseadas na observação e não na intervenção ou no relacionamento certo. “Te” é a antítese do sistema e organização, é o poder exercido sem o uso da força e sem interferência imprópria das circunstâncias envolventes:
«É entrar na floresta sem mover sequer o capim
É entrar na água sem provocar qualquer ondulação».
Podemos compará-lo à distinção Budista entre o “desejo de sabedoria” prajñā e o “desejo de poderes” siddhi.
Mas, afinal de contas, o que o Tauísta e o seu ponto de vista mundial têm para oferecer é expressado muito melhor por imagens. O poeta do Século VIII, Wang Wei, sabia tudo acerca da idade e exílio e sobretudo dos problemas do poder. Ele foi um grande poeta inato, no período mais importante da Poesia Chinesa, que escreveu o seguinte:

«Desde os meus tempos da meia-idade
Que sou profundamente devoto do Tau.
Recentemente fui viver
Para as montanhas do Chung-nan
Vezes sem fim - com grande alegria no meu coração -
Vagueio sozinho por aqui e por ali.
É uma coisa maravilhosa
Sinto-me consciente de mim próprio.
Quando o riacho põe termo ao meu passeio
Paro e ponho-me a captar
O momento em que as neblinas se formam.
De vez em quando encontro
Um velho e enrugado morador dos bosques.
Ficamos a conversar e a rir:
Nunca mais sentimos vontade de voltar para casa».

O Tau - O Um Supremo

O Tau, como já se disse, possui vários significados, e entre eles, significa caminho ou senda, um princípio gerador e não criador, que segundo Lao-Tzu: «O Tau não age, no entanto nada se faz sem ele». O Tau está em todos os seres; qualificámo-lo de grande, supremo, inteiro, universal, total. Termos esses que se aplicam a uma única e mesma realidade, à unidade cósmica. Compreender o Tau é, portanto, praticar a arte de pôr em comunicação ou em comunhão o homem, a natureza, o céu e a terra e as potências sobrenaturais desconhecidas.
Lao-Tzu atribuiu ao Tau uma importância não apenas psicológica, mas também cósmica. O Tau cria tudo o que é criado, mas como cria até mesmo o criativo nunca entra no mundo fenomenal.
Visto que o Princípio a que também se chama Tau está em tudo e em toda a parte, até nas coisas mais imperfeitas, não fará sentido tentarmos qualificar aquele Princípio ao transportarmo-nos em espírito para fora do Universo das dimensões e das localizações, para fora do mundo da actividade, para o reino da inacção, da indiferença, do repouso, do vago, da simplicidade, do lazer, da harmonia. Tau é o infinito indeterminado e não vale a pena querer situá-lo ou estudar os seus movimentos. Aquele Princípio, que fez com que os seres fossem seres, não está, ele próprio, sujeito às mesmas leis que os seres, assim como aquele princípio, que fez com que os seres fossem limitados, é ele mesmo ilimitado e infinito.
Para definir a sublimidade do Tau não há nada melhor e mais explícito do que o exemplo da poesia Tauista. Vejamos então alguns exemplos:

I «O Tau que pode ser pronunciado
Não é o Tau eterno.
O nome que pode ser proferido
Não é o nome eterno.
Ao Princípio do Céu e da Terra chamo “Não ser”.
À mãe dos seres individuais chamo “Ser”.
Dirigir-me para o “Não ser” leva
À contemplação das limitações espaciais.
Pela origem, ambos são uma coisa só,
Diferindo apenas no nome.
Em sua Unidade, esse Um é mistério.
O mistério dos mistérios
É o portal por onde entram as maravilhas».

II «O Tau flúi sem cessar.
No entanto, na sua actuação, jamais transborda.
É um abismo; parece o ancestral de todas as coisas.
Abranda a sua dureza.
Desata os seus nós.
Modera o seu brilho.
Une-se com a sua poeira.
É profundo, mas como é real!
Não sei de quem possa ele ser filho.
Parece ser anterior a Deus».

III «O maior bem é como a água.
A virtude da água está em beneficiar todos os seres sem conflito.
Ela ocupa os lugares que o homem despreza.
Portanto, é quase como o Tau.
Para a moradia, o bem manifesta-se no lugar.
Para o pensamento, o bem manifesta-se na profundidade.
O bem da dádiva manifesta-se no amor.
O bem da palavra manifesta-se na verdade.
No governo, o bem manifesta-se na ordem.
No trabalho, o bem manifesta-se na competência.
No movimento, o bem manifesta-se na oportunidade de acção.
Quem não se destacar
Ficará, por isso, livre de críticas».

IV «As cinco cores cegam os olhos do homem.
Os cinco sons ensurdecem os ouvidos do homem.
Os cinco sabores estragam o paladar do homem.
Correr e caçar alienam o coração do homem.
Bens raros trazem confusão à vida do homem.
Por isso, o Sábio trabalha para atender às necessidades do
corpo e não às da visão.
Ele adopta uma coisa e rejeita a outra».

V «Quando se perde o grande Tau,
Aparecem a moralidade e o dever.
Quando a inteligência e o saber prosperam,
Aparecem as grandes mentiras.
Quando os parentes próximos discordam,
Aparecem o dever filial e o amor.
Quando os Estados estão em desordem,
Aparecem os funcionários leais».

VI «O conteúdo da grande Vida
Provém completamente do Tau.
O Tau gera todas as coisas,
De modo tão caótico, tão obscuro.
Caóticas e obscuras são as suas imagens.
Obscura e caoticamente nele estão as coisas.
Tenebrosa, insondável, nele está a semente.
Essa semente é totalmente verdadeira.
Nela existe autenticidade.
Desde a Antiguidade até hoje
Não se pode prescindir de nomes
Para se considerar todas as coisas.
De onde conheço a natureza de todas as coisas?
Exactamente a partir da semente».

VII «Quem conhece os outros é inteligente.
Quem conhece a si mesmo é sábio.
Quem vence os outros é forte.
Quem vence a si mesmo é poderoso.
Quem se faz valer tem força de vontade.
Quem é auto-suficiente é rico.
Quem não perde o seu lugar é estável.
Quem mesmo na morte não perece, esse vive».

VIII «O grande Tau é omnipresente:
Pode estar à direita e à esquerda.
Todas as coisas lhe devem a existência,
E ele não se recusa a elas.
Realizada a obra,
Ele não a chama de sua propriedade.
Ele veste e alimenta todas as coisas
E não pretende ser o senhor delas.
Por estar continuamente sem desejos,
Podem chamá-lo pequeno.
Como todas as coisas dependem dele,
Sem conhecê-lo como seu soberano,
Podem chamá-lo grande.

Assim também, tal como o Sábio:
Nunca se engrandece;
Por isso realiza a sua Grande Obra».

IX «O Tau é um eterno não fazer,
E mesmo assim nada fica sem ser feito.
Se os príncipes e os reis souberem como preservá-lo,
Todas as coisas far-se-ão por si mesmas.
Se elas se fizerem, por si mesmas, provocando a cobiça,
Eu as desterro pela simplicidade, que não tem nome.
A simplicidade, que não tem nome, gera a ausência de desejos.
A ausência de desejos cria a serenidade
E o mundo se endireita, por si mesmo».

Eis como através de alguns dos seus poemas, Lao-Tzu exprime as profundezas do Tau no livro “Tao-Te-King”.
Deste modo, pudemos acompanhar o desenvolvimento do Tauísmo, que sob a influência do Budismo e na luta que travou contra a invasão deste, conseguiu evoluir para uma forma diversa do seu contexto original. Todavia, a apresentação dessas mudanças já não corresponde à visão geral do Tauísmo ligado a Lao-Tzu, mas sim à história geral das religiões da China.

BIBLIOGRAFIA
The Secret Doctrine, de Helena Petrovna Blavatsy
Tao-Te King, de Lao-Tzu
Tao - The Watercourse Way, por Alan Watts
Le Taoisme, por Anton Kielce
   


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Impresso em 28/3/2024 às 19:19

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