Fundação Maitreya
 
O Ramayana (Rāmāyana)

de Maria

em 24 Mai 2007

  Foi o canto dos pássaros que ordenou a poesia métrica de Vālmiki na composição da bela e famosa epopeia indiana do Rāmāyana. Ela nasceu da maldição para o caçador que matara um pássaro, mensageiro divino do Som. O Rāmāyana é um dos itinerários mais fascinantes de aventuras que a existência pode oferecer ao homem. Atribuída ao poeta Vālmiki, que a compôs em cerca de 25.000 estâncias de 2 versos em sânscrito, tem como herói o príncipe Rāma, do reino de Ayodhyā.

Nesta narrativa, embora localizada geograficamente e semi-histórica, circulam correntes de energia que dizem respeito à realidade de todos os tempos. E se a autoria não oferece dúvidas, já a datação da obra, na Índia da Eternidade, é difícil. Mas representemos Vālmiki como um contemporâneo de Rāma, numa época possivelmente muito remota.

O Rāmāyana, para além de ser uma aventura guerreira e fabulosa, é sobretudo um poema religioso, numa descrição das lutas dum Avatāra, (Rāma é a 7ª encarnação de Viṣnu, a 2º pessoa da Trindade Hindu), entre o bem e o mal, para estabelecer o Dharma, ou Ordem Cósmica.
Rāma, príncipe de Ayodhyā, nascido de nobre família de soberanos, vive na corte normalmente até aos 16 anos, altura em que devido às maliciosas maquinações da madrasta é obrigado a abdicar do direito ao trono, por 14 anos, em favor de seu meio irmão, Bharata, sendo enviado para a floresta, acompanhado da fiel esposa Sitā e do devotado meio irmão Lakṣmaṇa. A partir da sua permanência na floresta, desenvolve-se uma formidável batalha em que este justo e sábio descendente da ilustre e antiga dinastia solar, enfrenta as legiões dos rākshasas ou demónios, comandados por Rāvana que assolavam a humanidade e os deuses, e da qual Rāma sai vitorioso, com a ajuda dos animais.

Daśaratha é o rei célebre e poderoso de Ayodhyā, pai de Rāma, mencionado também noutro texto sagrado o Mahābhārata, e que morrerá de desgosto pela ausência do filho no exílio, na floresta, em consequência do dom concedido a uma das suas mulheres. A razão deste acontecimento terá de ser encontrada, como é natural, e é este um dos objectivos didácticos, constante no Rāmāyana, no karma passado do rei. Com efeito, quando jovem, sendo um perito atirador de arco e flecha, fazendo até pontaria apenas pelo som, ao ouvir certo ruído perto de um rio, convenceu-se que era um elefante e atirou. Mas quem feriu mortalmente foi um jovem eremita que enchia o jarro de água para levar aos pais ascetas, já velhos e cegos.
Depois de ter ouvido da boca do agonizante que os pais eram cegos, procurou-os e lamentou o sucedido, resolvido a suportar qualquer represália da parte do asceta. Mas este em vez de o amaldiçoar, pede-lhe que os queime na mesma pira do filho, e só lhe diz:
«Escuta-me bem. Receio por ti, porque assim como sou forçado a abandonar a existência, por não poder suportar esta dor da morte do meu filho, do mesmo modo não encontrarás tu um dia o vazio dum filho perdido, chamando-o em vão?»

Muitos anos mais tarde, Daśaratha, o mais poderoso arqueiro de então e que se deleitava com o seu reino e sua vida, não suportará a desgraça dos seus olhos não verem mais o seu filho.
Kaikeyī, é a terceira mulher de Daśaratha, mãe de Bharata, meio irmão de Rāma. É esta rainha que manda Rāma catorze anos para a floresta. Quando ainda jovem, Kaikeyī salva a vida a Daśaratha com grande heroísmo, numa batalha. Daśaratha, cheio de gratidão, concede-lhe dois desejos, que ela não quer satisfazer na ocasião.
Estes desejos, ou votos dados por um rei, a outrem, eram escrupulosamente cumpridos, qualquer que fosse o pedido e em qualquer altura. Assim passados anos e instigada por uma velha criada que não gostava de Rāma e que lhe despertara o medo de ser posta de parte pela mãe de Rāma, pede ao rei para satisfazer os velhos desejos prometidos. Quando Daśaratha se prepara para sagrar o primogénito como herdeiro do trono, Kaikeyī faz então uso dos votos e pede que Rāma seja mandado para a floresta, por catorze anos e que seja sagrado herdeiro do trono, em vez dele, seu filho Bharata

Lakṣamaṇa, Bharata, Śatrūgṇa e Rāma eram irmãos: Rāma nasceu da primeira rainha Kausalyā, Bharata de Kaikeyī, Lakṣmaṇa e Śatrūgṇa de Sumitrā.
Lakṣmaṇa era o segundo eu de Rāma, a sua própria vida que lhe caminhava ao lado. Quando em criança servia-o em tudo antes de si mesmo, Recusava-se a dormir se não tivesse Rāma a seu lado e, só comia se Rāma consentisse em partilhar a sua comida. Era a sua sombra, a sua alma gémea e acompanhou Rāma no exílio da floresta. Desempenhou um papel importantíssimo nas façanhas entre os demónios, pois era um guerreiro destemido e poderoso. Desincarnou voluntariamente, conforme a bela descrição de Vālmiki da saída do seu espírito através do seu coração.

Bharata é posto por sua mãe Kaikeyī no trono em vez de Rāma. Mas, tal como os outros irmãos, Bharata era de grande fidelidade a Rāma. Quando, pela morte do pai, o rei Daśaratha, Bharata, ausente no estrangeiro, é chamado ao reino a governar e revolta-se contra a mãe ao saber da ausência de Rāma. Vai ter com Rāma à floresta para o trazer de volta. Mas Rāma recusa, assumindo o cumprimento da palavra dada pelo rei.
Bharata pede-lhe então as sandálias e diz-lhe: “És o verdadeiro rei. Governarei Kosāla por respeito a ti, mas serão as tuas sandálias a estarem no trono. Se ao fim dos catorze anos não regressares logo a Ayodhyā, entrarei numa fogueira e morrerei”.
Assim como Rāma e Lakṣmaṇa eram atraídos, Bharata e Śatrūgṇa eram também inseparáveis e governam juntos o reino de Ayodhyā, embora em grande tristeza.

Depois de Sitā ter estado prisioneira do rei dos demónios e de ter sido salva por Rāma, ajudado por Hanuman e seus companheiros, regressam todos ao reino de Ayodhyā. Anos mais tarde Rāma tem conhecimento do murmúrio do povo acerca da pureza de Sitā, por ela ter estado cativa de Rāvana, o chefe dos demónios. Manda então que Lakṣmaṇa a leve para a floresta e a mate, pois não queria o povo a murmurar, mesmo depois de Sitā se ter sujeito a uma prova do fogo para provar a sua honestidade. Com efeito, submetendo-se ao fogo Sitā pedira ao deus Agni que a engolisse, caso tivesse sido infiel a Rāma. Mas, o deus Agni abrira as suas línguas de fogo para deixar passar Sitā incólume.
Lakṣmaṇa levou-a para a floresta mas preferiu entregá-la ao sábio Vālmiki, pedindo-lhe que a protegesse. Vālmiki não só protegeu Sitā, como tomará os futuros gémeos, filhos de Rāma, como seus próprios filhos.

Sitā, representando na concepção indiana, tudo o que de mais belo existe na mulher e que tanto impressiona pela doçura e devoção, parte para um segundo exílio, com a mesma confiança e amor ao seu marido. Mas, quando Rāma já no fim da epopeia reconhece os seus filhos e a chama, ela perante todos, invoca a sua Mãe Terra, para a receber no seu seio, caso não tivesse sido profanada por Rāvana. E, a Terra abriu-se e Sitā, a filha da Terra, entregou-se à sua origem, íntegra na morte como na vida.

Como narra o Rāmāyana, a origem desta fantástica epopeia poética está num curto episódio ocorrido quando Vālmiki meditava no seu eremitério da floresta. Dois pássaros aproximam-se a cantar, enlevados em amor, pela margem de um rio. Ele observa-os totalmente absorto mas de repente o macho cai morto no solo, vítima de um caçador e afoga-se no seu próprio sangue. Vālmiki, profundamente pesaroso pela dor da desolada companheira, lamenta-os pronunciando, algo involuntariamente, uma maldição contra o caçador. Longe de ser porém uma maldição vulgar, ela é antes uma torrente discursiva melodiosa:
“ O Nishādha!
Nunca tu vás para a prosperidade, por toda a Eternidade,
Pois que do casal de “Krāuntshas, mataste um, encantado de amor”.
Ela agrada de tal modo a Brahma, que este aparece-lhe no caminho, quando ele meditativo regressava à sua cabana, e anuncia-lhe que inconscientemente criara o primeiro dístico em metro de narração épica, o “ślôka”. E manda-o então compor nesta medida um poema divino sobre a vida de Rāma, prometendo-lhe:
“Enquanto nesta terra firme, correrem os rios e existirem montanhas, tem a certeza, em todo o mundo, o Rāmāyana perdurará”.

Á medida que Vālmiki compunha o “Rāmāyana e que os gémeos, Kuṣa e Lava cresciam o suficiente para aprender, ele ensinou-lhes a gesta de Rāma. Quando eles tinham doze anos, Rāma deu uma festa que durou um ano, o “Asvamedha”, ou o sacrifício do cavalo. Convidado Vālmiki, Kuṣa e Lava todos os dias cantavam uma parte do Rāmāyana e Rāma ouvia-os deliciado, sem saber que eram seus filhos.

Por fim Rāma reconhece os filhos e chama Sitā. Mas a roda do “Dharma” tinha rodado e da acção passa-se à inacção. Sitā, Lakṣmaṇa e por fim Rāma abandonam a Terra.

Nota
Ślôka, designa a estância de dois versos.
Do Livro, “O Avatāra” de Maria




   


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