Olhando para a Natureza da Mente - 1ª Parte
de Sakya Trizin em 06 Ago 2011 A prática de olhar para a natureza da mente é chamada meditação discernente . De modo a praticar a meditação discernente, precisamos primeiro de desenvolver uma mente estável, uma mente liberta de pensamentos conceptuais. Fazemos isto através da concentração uni-focalizada , pelo que a mente se torna estável e desprovida de pensamentos, permitindo-nos assim descansar na sua claridade.
Há muitos níveis diferentes de concentração, mas o requisito mais básico para nos concentrarmos é estarmos num local longe de barulho e de distracções, num local tranquilo e confortável. Devemos sentar-nos, se possível, em posição completa de lótus ou, no mínimo, com as costas direitas e com as mãos em descanso no nosso colo, uma em cima da outra, com as palmas viradas para cima. Esta é uma breve descrição de como praticar a concentração. Para os iniciantes é difícil concentrar a mente sem utilizar um objecto, e então é melhor utilizar um objecto de concentração como uma estátua do Buda, ou algo inspirador, como uma flor. Ele deve estar ao nível dos nossos olhos, a cerca de dois pés [60 cm aproximadamente] de distância; deve ser colocado num suporte estável, de modo a não tremer ou mexer, porque qualquer movimento pode causar o surgimento de pensamentos. Então devemos tentar reunir estas três coisas em simultâneo: a nossa respiração, os nossos olhos e a nossa mente, e colocá-las no objecto. Devemos tentar evitar pensar sobre as qualidades do objecto, tais como a forma e a cor, e tentar manter as três coisas fixas no objecto. A nossa mente e o nosso corpo estão interligados, e quando a nossa mente é forte, mesmo se não estivermos fisicamente bem, sentir-nos-emos bem. Mas quando a nossa mente não é forte, os problemas físicos farão com que sintamos dor. Descobriremos que, por exemplo, se ouvirmos um som, imediatamente um pensamento se origina. Se sentirmos qualquer tipo de estímulo, um pensamento é originado. Nessa altura, em vez de seguirmos o som ou estímulo sensorial e nos distrairmos com ele, devemos imediatamente colocar a nossa mente de volta no objecto de concentração e mantê-la lá. Na prática da concentração há cinco faltas maiores que devem ser evitadas: preguiça, esquecimento, afundar e dispersar, não aplicar o antídoto e aplicação excessiva. A primeira, preguiça, refere-se a não praticarmos a concentração, a não fazermos o esforço necessário de fixar a mente no objecto de concentração. A segunda, esquecimento, é o que acontece quando esquecemos as instruções de como praticar a concentração. A terceira falta a evitar é afundar e dispersar. Afundar é quando a nossa mente cai, se torna pesada, um pouco como dormir ou afundar na água. E dispersar é o oposto, quando a nossa mente não consegue permanecer focada no objecto de concentração, quando os nossos pensamentos são dispersos e partem em direcções diferentes. A quarta falta é não aplicar o antídoto necessário a cada falta. E a quinta é a aplicação excessiva do antídoto onde, em vez de ajudar, ele se transforma numa limitação à concentração. Assim estas são as cinco faltas a serem evitadas. E de modo a combater estas faltas, existem oito antídotos. Os antídotos para a primeira falta, a preguiça, são: interesse, esforço, fé e contentamento. O primeiro é a intenção de praticar a concentração, o desejo de o fazer. O segundo antídoto é o esforço. Quando estamos interessados na prática, então devemos fazer os esforços físicos e mentais necessários para a fazer bem. A terceira é fé, fé no facto de que pela prática da concentração, obteremos resultados, resultados temporários e finalmente o resultado último. O quarto antídoto é contentamento. A prática da concentração produz conforto e calma física e mental; quando vivenciamos isso, desenvolvemos o interesse pela prática. Como um homem de negócios que, quando algo lhe oferece possibilidades de lucro, desenvolverá interesse em tal, e investirá esforço nisso. De um modo semelhante, quando vemos o resultado que a prática da concentração nos traz, desenvolvemos interesse nela. O que se torna ainda mais verdadeiro quando discernimos que não só nos traz o resultado último, como também resultados temporários, tais como acalmia física e mental, e contentamento. A nossa mente e o nosso corpo estão interligados, e quando a nossa mente é forte, mesmo se não estivermos fisicamente bem, sentir-nos-emos bem. Mas quando a nossa mente não é forte, os problemas físicos farão com que sintamos dor. Por isso é importante utilizar estes quatro antídotos à preguiça, e o mais importante destes quatro é o esforço de fortalecer a nossa mente ao trazê-la à concentração. Mesmo se estivermos a sentirmo-nos preguiçosos, ou enfrentarmos qualquer das outras faltas, devemos esforçarmo-nos de voltar à concentração através de, por exemplo, recordarmos o fracasso de samsara, ou lendo um livro inspirador. O antídoto para a segunda falta, esquecimento, é recordar; relembrar constantemente as instruções que recebemos de como praticar a concentração. Devemos tê-las sempre em mente, de modo a que sempre que comecemos a praticar, nos recordemos automaticamente de como o fazer. Podemo-nos sentir desencorajados porque, não importa o quanto tentemos, muitos pensamentos continuam a surgir. Normalmente, embora muitos, muitos pensamentos surjam, não nos apercebemos deles, mas quando começamos a praticar, apercebemo-nos deles. Este é um bom sinal, e não devemos ficar desencorajados. O antídoto para a terceira falta é estarmos cientes, observando a mente. É importante observarmos sempre a mente, se tiver ido na direcção errada, ou se está a afundar-se ou a dispersar-se. Afundar-se, como dissemos anteriormente, é um pouco como dormir. Quando tentamos praticar a concentração, por vezes a nossa mente torna-se entorpecida, muito como quando dormimos. Ao contrário, quando temos muitos pensamentos, pensamos nas coisas que queremos fazer, lugares que queremos visitar, pessoas que queremos ver, e por aí fora – a nossa mente parte em direcções diferentes. É muito importante observarmos continuamente estas duas coisas, o afundar e dispersar. E assim, a observação da mente é o antídoto à terceira falta. O antídoto à quarta falta é a aplicação do antídoto. Logo que observarmos que a nossa mente foi na direcção errada, fazemos um esforço na aplicação do antídoto. O antídoto à quinta falta, aplicação em excesso, é aplicar a dose correcta do antídoto. Nós esforçamo-nos para trazer equanimidade a uma mente que está demasiado relaxada, ou que está sobre agitada. Isto significa encontrarmos um equilíbrio entre uma mente entorpecida e uma mente instável. Assim, ao aplicarmos estes antídotos, podemos eliminar as cinco faltas da concentração. Há nove níveis de concentração. No primeiro nível, colocamos a nossa mente no objecto, não fazemos movimentos físicos, não pestanejamos, e asseguramo-nos que o objecto de meditação também não se está a mover, e que podemos claramente vê-lo. Os nossos olhos nem estão completamente abertos nem completamente fechados, apenas meio abertos e a nossa respiração deve ser normal, uma respiração natural e lenta. Então devemos tentar reunir em simultâneo as três coisas: a nossa mente, os nossos olhos e a nossa respiração, e colocá-las no objecto [de concentração ]. No segundo nível de concentração, e porque é difícil aos iniciantes praticar por um longo período de tempo, devemos tentar fazer muitas sessões curtas. Se, ao princípio, tentarmos fazer sessões longas, ficaremos física e mentalmente exaustos. Tal pode levar-nos a ficar zangados com a meditação. No princípio devemos tentar fazer muitas, muitas sessões muito curtas. Então deveremos, repetidamente, continuar a colocar a mente, por curtos períodos de tempo. No terceiro nível, logo que algo que distraia a nossa mente aconteça, como um som ou algum estímulo sensorial, imediatamente colocamos a nossa mente de volta ao objecto. Também no quarto nível, esforçamo-nos repetidamente em colocar a mente no objecto. No quinto nível relembramos as qualidades obtidas através da concentração de modo a que, se a nossa mente for perturbada através de afundar e dispersar, então teremos mais incentivo para aplicar os antídotos e trazer a nossa mente de volta ao mesmo. Através da concentração interior, sem a utilização de um objecto exterior, consegue-se eliminar os pensamentos e permanecer com uma mente estável e uni-focalizada, e concentrar na clareza da mente. No sexto nível, se bem que tentemos trazer a mente ao objecto, a nossa mente está agitada ou distraída. Então, de novo, esforçamo-nos ainda mais para colocar a nossa mente no objecto de concentração, de modo a romper com este estado de distracção. No sétimo, se experienciarmos o completo oposto a uma mente calma, tal como pensamentos de zanga, ciúme ou qualquer emoção negativa, não devemos prosseguir com estes pensamentos. Por exemplo, se estivermos zangados com alguém, tenderemos então a pensar nessa pessoa e construiremos uma história à volta dela, como é ela é, o que fez e por aí fora. Em vez de continuar com estes pensamentos, devemos imediatamente trazer a nossa mente de volta ao objecto de concentração. No oitavo nível, se estivermos a fazer o nosso melhor na eliminação de afundar e dispersar através da aplicação dos antídotos, mas não somos capazes e a nossa mente ainda está entorpecida ou dispersa, então deve-se tentar algo mais, tal como investigar a origem destes pensamentos, qual a sua natureza, e por aí fora, e deste modo tentar trazer a mente de volta ao objecto de concentração. E no nono nível, depois de passar pelos estágios iniciais, onde fizemos muitas sessões curtas e depois gradualmente aumentámos a sua duração, a prática tornou-se fácil. Uma vez acostumados, somos capazes de permanecer neste estado de concentração sem muito esforço. Assim, estes são os nove estágios de concentração. Ao praticar a concentração deste modo, deparamo-nos com certas experiências. De um modo geral há cinco tipos de experiência que encontramos. A primeira experiência que se nos depara é chamada ‘cascata’. Quando tentamos concentrar-nos, surgem muitos pensamentos, um a seguir ao outro, tal como uma cascata. Numa queda de água não há interrupções, a água flui ininterruptamente; de um modo similar, os pensamentos fluem ininterruptamente. Podemo-nos sentir desencorajados porque, não importa o quanto tentemos, muitos pensamentos continuam a surgir. Normalmente, embora muitos, muitos pensamentos surjam, não nos apercebemos deles, mas quando começamos a praticar, apercebemo-nos deles. Este é um bom sinal, e não devemos ficar desencorajados. É chamada a experiência de reconhecimento dos pensamentos, ou de experienciar os pensamentos. A segunda experiência que se nos depara é a dos pensamentos descansados. Se bem que os pensamentos surjam, existe algum intervalo entre eles. Assim, há então alguns pensamentos, mas é como se estivessem cansados. Surgem, e depois há uma pausa. A terceira experiência é a dos pensamentos cansados. Se existir uma causa exterior, então os pensamentos surgem. Mas se não houver causa exterior, os pensamentos não surgem. A quarta experiência é chamada ‘oceano com ondas’. Os oceanos são normalmente muito calmos, mas ocasionalmente as ondas surgem. Do mesmo modo, embora a nossa concentração seja muito estável e a nossa mente calma e consiga permanecer no objecto de concentração, ocasionalmente emergem um ou dois pensamentos, tal como as ondas no oceano. A quinta experiência é chamada ‘oceano sem ondas’. Uma vez habituados à concentração, conseguimos permanecer firmemente fixados no objecto, tal como um oceano sem ondas. Se bem que existam causas exteriores para distracção, a nossa mente está estável, permanecendo a atenção focalizada no objecto, e os pensamentos não surgem. Quando somos capazes de estar assim, em vez de olhar para o exterior, devemos tentar olhar interiormente para a nossa própria mente, para a clareza da mente, e concentrar nisso. Através da concentração interior, sem a utilização de um objecto exterior, conseguem-se eliminar os pensamentos e permanecer com uma mente estável e uni-focalizada, e concentrar na clareza da mente. N.T. Insight meditation no original, que também pode ser traduzido por ‘meditação por realização’. N.T. Single pointed concentration no original, que também pode ser traduzido por concentração focada num ponto só. Título original: ‘Looking into the Nature of the Mind’, Part 1, Melody of Dharma, nº5, 2011. Tradução: José Carlos Rodrigues (© S.S. Sakya Trizin) |
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