Fundação Maitreya
 
A Via da Vigilância Interior - 1º e 2º Capítulos

de Edward Salim Michael

em 19 Nov 2023

  Pode ser bem verdade que a queda do ser humano tenha acontecido quando se deu o esquecimento de si próprio. Ou seja: esqueceu o seu Ser Superior, a Origem misteriosa de onde proveio. Quanto mais se esquecia de si próprio, divorciando-se da sua verdadeira identidade, mais inevitavelmente se afundava nos planos inferiores de sua consciência, vivendo no seu nível mais baixo, até ter chegado o tempo – exclusivamente pela lei cósmica da atracção e da gravitação – de não lhe ser possível manter-se nos domínios elevados do seu ser, acabando por ser expulso da sagrada morada interior, do seu Nirvāṇa, seu Jardim do Éden. Depois disso, começaram os seus infortúnios, assim que se tornou num eu exilado individualmente – tornando-se um problema para si próprio, para o ambiente e para o planeta em que vive.

O nascimento e o esquecimento de si próprio

A cada nascimento, o ser humano começa a sua existência terrena, em estado de consciência puro e limpo, ainda ligado à fonte santificada de onde se originou. Mas, consoante cresce em condições exteriores discrepantes, e ficando desde o início sujeito a influências desfavoráveis, começa a esquecer a sua verdadeira identidade. Por fim, tal como os seres à sua volta espiritualmente atrofiados, também ele esquece por completo o aspecto mais elevado da sua natureza, e começa a parecer-se com eles em todos os aspectos e pormenores. Dessa forma, repete-se misteriosamente o mesmo estranho drama da queda espiritual do homem, de cada vez que nasce uma criança.

As lutas espirituais e os repetidos esforços de presença interior do pesquisador representam o preço que terá de pagar, agora, para regressar ao seu estado primordial; esforços que tem de fazer continuamente, até ao momento do merecido direito de morar conscientemente no vasto silêncio sagrado da sua sublime natureza. Daí, regressará ao estado santificado de contemplação de seu Verdadeiro Ser – tal como uma criança recém-nascida ainda o faz, de alguma forma, no momento do seu nascimento.

Só quando o buscador usa de imensos e sustentados esforços para estar verdadeiramente “presente” em si próprio durante as experiências espirituais – uma presença que, se autêntica, ao princípio só pode ser mantida por breves períodos de tempo – é que o seu estado normal de ser e o sentimento habitual de si próprio, por fim desaparecerão, e outra forma de consciência com um sentimento bem diferente de si próprio surgirá em primeiro plano, de forma gradual ou repentina, dependendo da sinceridade e do nível do ser.

Na sua condição habitual, pode nem saber nem compreender este tão elevado estado. Consoante vai fazendo esforços cada vez maiores, de forma firme, porém, delicada, para manter esta presença fora do comum dentro de si durante a meditação e práticas espirituais, o sentimento de uma consciência rara e vasta revelar-se-á à sua visão interior. Quando este estado incomum de consciência e de ser se manifesta, fazendo-se sentir de forma verdadeira e sendo reconhecido como algo pertencente à sua Realidade Divina, os esforços do aspirante deverão mudar para os de rendição e de entrega total de si próprio. Contudo, ao mesmo tempo, deve ser cauteloso para não se afundar numa espécie de torpor, que por vezes, pode tomar formas tão subtis, que são difíceis de discernir, mas antes, ser activamente passivo, atento perante este seu novo sentimento do Sagrado, ou dito desta forma – “há que deixar fluir”.

Só um esforço consciente e intenso de presença interior pode tornar possível a revelação do Impessoal na visão interna do pesquisador, e ser reconhecido, como um estado sagrado de consciência extraordinário, um estado de tomada de consciência vasto e imparcial, testemunhado silenciosamente. Neste estado, não existe dualidade, apenas existe a Unidade omnisciente na qual ele se funde.

A atenção e sua importância

A atenção humana é o tesouro mais precioso que o homem tem. Na vida, o seu objectivo, força e importância podem não ser muito óbvios, pelo facto de o seu uso prolongado, habitual e instintivo ser geralmente tomado como garantido. Todas as criaturas vivas, incluindo o ser humano, dependem completamente da atenção para a manutenção e salvaguarda das suas vidas terrenas. Sem que, conscientemente, se apercebam, a própria vida exige-lhes continuamente a sua atenção, para se protegerem em condições climatéricas rigorosas, doenças, fomes e vários outros riscos – sem esquecer toda a extensão para que são constantemente solicitados, pelos inumeráveis desejos sexuais e a necessidade de os gratificar.

Nos planos mais elevados da vida, a atenção humana joga um papel especialmente vital nas criações artísticas e na descoberta de verdades matemáticas e científicas. E, em esferas ainda mais elevadas, no mundo espiritual e místico, é possível em determinados momentos, com outro tipo de atenção – um tipo mais vasto e consciente – obter ao mesmo tempo um particular e directo conhecimento do todo.

É essencial que o pesquisador compreenda a importância desta atenção em todas as sua batalhas espirituais, quer na busca da resposta para o enigma da sua existência, quer no processo da sua transformação.
Na realidade, pode dizer-se, que a atenção constitui a terceira parte da trindade dentro de si. Cria uma ligação entre os aspectos superiores e os inferiores do seu ser e age como uma espécie de chama, para a qual, qualquer um destes estados é atraído. Na verdade, nenhum aspecto se pode manifestar ou activar sem que ele o deseje declaradamente, e sem que se centre nisso.
Qualquer que seja o estado interior apresentado como dominante a determinado momento – como por exemplo a tristeza, o ressentimento ou a altivez – verifica que a sua atenção foi para lá dirigida, alimentando-o e dando-lhe vida.

No estado habitual, a atenção vai principalmente alimentar sonhos inúteis, fantasias impraticáveis e, mais frequentemente do que o contrário, alimentar emoções negativas. Tal como um tronco de madeira à deriva sem destino num rio, ele está sempre a saltitar de um pensamento inútil para outro. A sua situação também poderia ser comparada à da mosca, num momento atraída para o deleitável mel, e noutro, para uma imundice. Para a mosca é tudo o mesmo, quer saboreie o néctar de uma bela flor, quer coma o estrume de vaca, logo a seguir!

Quando o aspirante tiver compreendido, quão importante a questão da atenção é para a sua demanda e transformação espiritual – especialmente se previamente já tiver provado a realidade da sua Suprema Natureza – terá de passar a ser extremamente vigilante e cauteloso desse momento em diante, em tudo quanto lhe proporciona a atenção. Ele deve de ter consciência, sabendo-o ou não, que vai alimentar e cristalizar o estado particular, para o qual vai deixar gravitar a sua atenção, permitindo-lhe ganhar raízes e crescer. É com a atenção, usada de forma construtiva, que um autêntico yogī ou um grande artista criativo realizam obras prodigiosas. É igualmente com a atenção, quando usada negativamente, que todas as más acções e trabalhos destrutivos são postos em prática.

A apreciação destes factos pode ajudar a despertar no pesquisador um profundo desejo de encontrar a força interior que lhe desvia a atenção, tanto quanto possível, de estados desprezíveis e tendências que são um obstáculo para o seu objectivo espiritual, e pô-los, simplesmente, à míngua, fora da circulação por falta de alimento. Por outro lado, deve favorecer, nutrir e deliberadamente encorajar todos os pensamentos e sentimentos mais nobres que nele despertam e, desta forma, assistir ao seu subsequente crescimento. Sentir-se-á reforçado nas suas aspirações mais elevadas que, por sua vez muito o fortalecerão no seu empenho espiritual e na meditação.

Do livro, a Via da Vigilância Interior.
Tradução de Helena Gallis
   


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Impresso em 29/3/2024 às 13:15

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