Fundação Maitreya
 
O Ano do Dragão

de Pedro Teixeira da Mota

em 24 Jan 2012

  É possível que a memória planetária dos dinossauros pré-históricos da Era Mezóica, até estimulada pela descoberta de fósseis que percutiriam ou se reflectiriam na psique humana, seja uma das origens deste animal fabuloso, presente em várias tradições, mas também a imaginação, fundindo grandes lagartos com serpentes e dando-lhes asas, esteve em acção...
É natural que certos lugares da Natureza, de grande beleza e força, como as zonas montanhosas e verdejantes, ou acontecimentos como as nuvens e coriscos nas tempestades, tenham suscitado a reverência maravilhada que facilmente presente sob as formas fantásticas seres invisíveis, elementais, anjos, deuses, Kami.


Do Dragão, telúrico, celestial e íntimo, para o seu ano....

O dragão surgiu então como representação das energias e correntes, poderosas, invisíveis, formadoras e fertilizantes da natureza, presentes ou ocultas em todos os fenómenos. E assim como um fogo invisível faria surgir o raio que fazia arder a árvore atingida ou chamuscá-la (e ficava sendo sagrada e mais tarde a melhor para ser usada em escultura), assim imaginações sensíveis atribuíram ao dragão as tempestades, o raio, a chuva, mas também o localizavam no mundo subterrâneo, sendo ele o causador do tremor de terra, e no mundo aquático. Tornou-se de certo modo um símbolo de união entre o céu e a terra, com todos os elementos participando...

É no Japão, onde é denominado Tatsu ou Ryu, na China, Lung, e no Taoísmo, que o dragão foi mais cultuado como uma energia e um animal simbólico benéfico, e que sendo a energia Yang, masculina, quente, solar (a contrapartida feminina, Yin, é representada pelo tigre) tanto representa as energias telúricas da terra, como as águas purificadoras, como as forças dinâmicas do céu, sendo na astrologia o quinto signo, com as correspondências energéticas da direcção do Oriente ou Este, as cores azul, azul-turquesa ou verde...

Os povos orientais por vários motivos acolheram mais intimamente a ligação entre os humanos e os animais, seja por o budismo admitir a transmigração humana em corpo animais, seja por se considerar que os animais podem ser corpos ou manifestações dos deuses, ou que podem mesmo possuir corpos humanos. Daí também que as formas híbridas e bem imaginativas abundem. Lembremos apenas na tradição japonesa o Baku, que protege dos maus sonhos e que combina os traços do elefante e do leão, o Kappa, que vive nas águas e atrai as pessoas para elas, e que é um misto de tartaruga, rã e macaco, a Yamata no Orochi, a serpente gigante das oito cabeças (também vista como um dragão e quando morta pelo Kami Susano-O-no-Mikoto, da sua cauda surgiu a espada Kusanagi, que se tornaria um três tesouros imperiais, Sanshu no Jingi ), ou o Shishi, meio leão meio cão que comummente guarda a entrada ou a proximidade dos santuários xintoístas e dos templos budistas, muitas vezes numa polaridade em que o um tem a boca aberta e o outro fechada aludindo ao alfa e ómega, princípio e fim dos sons e da manifestação, para o caso usando-se mesmo as sonoridades de origem sãoscrita Aum e Um…

O dragão (tatsu ou ryu) na tradição japonesa é considerado o ser supremo animal no céu, e surge representado geralmente entre as nuvens e as tempestades, ora num par que brinca com um torvelinho energético donde brotará a chuva, ora revelando a pérola da imortalidade e do sucesso.
A anatomia e as capacidades ocultas do dragão são prodigiosas e destacaremos apenas a de se poderem transformar no que querem ou terem no cimo da cabeça uma crista que lhes permite voar, o que alude certamente ao chakra da coroa activado. Na garganta tem uma pérola auto-luminosa e que lhes ilumina o caminho, de novo uma capacidade ao alcance de cada um que se concentra no chakra da garganta purificado pela palavra justa…

Nos rituais do Shintoismo imperial encontramos cinco reis dragões, goryuo: O Dragão azul, Seiryu, correspondente à direcção este e ao elemento madeira. O Sekiryu, o Vermelho, do elemento fogo, presente nas tempestades e raios, e que protege o sul. O Dragão branco, Hakuryo, ligado ao Ocidente e ao elemento metal, o mais veloz a voar. O Dragão negro, Kokuryu, ligado ao norte e à água, com traços de ferocidade ou de maldade. E por fim o Koryu, o dragão amarelo, ligado à terra, ao centro e também ao Imperador.

São muito frequentes as representações do dragão nos telhados de santuários shintoistas ou de templos budistas, e mais ainda nas bacias de água purificadora junto aos santuários, denominadas temizuya, e onde os peregrinos e fiéis lavam as mãos e a boca com a água que jorra da fonte de um ryo, dragão e rio da correnteza divina. Há também alguns santuários famosos consagrados ao dragão, como o de Itsukushima….

Também nas práticas alquímicas interiores da circulação da energia, pela respiração e visualização, o dragão representa a energia vital masculina e que equilibrada com a feminina faz brotar o ser sublimado, ou a pérola-elixir da imortalidade….

Já no Cristianismo foi sobretudo símbolo do mal, do diabo, do pecado, do egoísmo, conforme a lição do Apocalipse, com o arcanjo S. Miguel a vencer Lúcifer, sendo uma das fontes maiores da simbologia da arte Românica. Mas se na tradição Ocidental o herói tem de vencer o dragão, nem sempre isso implica a sua morte pois pode ser o seu amestramento ou dominação. Assim na iconografia cristã vemos S. Jorge (e que foi padroeiro de Portugal e ainda está cultuado no castelo de S. Jorge, em Lisboa...) a vencer e a controlar o dragão, o qual significa o inconsciente, a energia em bruto ou natural do ser humano, as pulsões instintivas que ameaçam devorar a alma passiva ou inocente, representada como uma donzela a ser atacada, conforme as belas imagens que tantos grandes pintores nos deixaram.

Nas igrejas românicas e góticas teremos de sentir bem a mensagem que o artista quis deixar no contexto da obra. Para podermos acertar na interpretação de um símbolo que nas suas dimensões positivas é de grande dinamismo, força, vigilância, poder alado, e que ora pode ser um aviso contra os vícios e defeitos, simbolizando então o mal, ora um sinal estimulante da elevação do ser humano, representando as energias e correntes subtis da natureza e do inconsciente da nossa psique que podem ser activadas, ordenadas, elevadas, de modos criativos e fulgurantes…

No convento de Tomar, no mosteiro dos Jerónimos em Belém e em muitos outros monumentos de arte românica e gótica, surge esculpido na base de colunas, e da sua boca brotam as plantas, os animais, o homem.
Como já no Salmo CXLVIII do Antigo Testamento se cantava:”Louvai o Senhor, dragões da terra, e todas as profundezas da terra.” E em verdade toda a natureza é uma constante metamorfose do caos e potência da Shakti profunda, da matéria-energia original, movida pelo sopro do Espírito, do Logos, dos construtores e da vontade sábia e amorosa.

Saibamos então cultuar as melhores potencialidades da energia do Dragão e do seu ano, pelas nossas acções e meditações, palavras e intenções, ou a imaginação e a determinação, tanto de expulsar o que está mal como o de trazer ao de cima e manifestar criativamente a verdade, a beleza e a harmonia fraterna e espiritual entre os seres…

Consigamos, como nos mostra a imagem algo enublada tirada do pórtico poente dos Jerónimos, em Belém, erguer, afirmar e preservar com coragem a taça plena do coração ou do cimo da cabeça..., ou do Graal do Bem Comum e do Divino entre os seres humanos! Om Ryu...
   


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