Fundação Maitreya
 
Dhammapada - 4

de Acharya Buddharakkhita

em 26 Dez 2013

  O Dhammapada é o texto mais conhecido e o mais respeitado do Tipitaka Pāli, as Sagradas Escrituras do Budismo Theravada. A obra está incluída no Khuddaka Nikaya (“Colecção Menor”) do Sutta Pitaka, mas a popularidade que ganhou elevou-a para as fileiras de um clássico do mundo religioso, muito acima do simples lugar que ocupa nas escrituras. Composta em antigo idioma pāli, esta sucinta antologia de versos constitui um compêndio perfeito de ensinamentos do Buddha, compreendendo em sua dissertação todos os princípios essenciais elaborados ao longo dos quarenta e tantos volumes do Cânone Pāli. De acordo com a Tradição Budista Theravada, cada verso do Dhammapada foi originalmente proferido pelo Buddha como respostas a episódios específicos. Relatos destes, juntamente com a exegese dos versos são preservados no comentário clássico da obra, compilados pelo grande erudito Bhadantacariya Buddhaghosa no século V a.C., assente em textos que remontam a tempos muito antigos.

O conteúdo dos versos, no entanto, transcende as circunstâncias limitadas e particulares da sua origem, alcançando através dos tempos, vários tipos de pessoas em diversas situações da vida. Para o simples e humilde, o Dhammapada é um bom conselheiro; para o exigente intelectual, os ensinamentos claros e directos inspiram respeito e reflexão; para aquele que busca com sinceridade, funciona como uma fonte perene de inspiração e instrução prática. As compreensões que brilharam no coração do Buddha, cristalizaram-se nestes versos luminosos de pura sabedoria. Como expressões profundas de espiritualidade, cada verso é uma directriz para um viver correcto.

O Buddha de uma forma inequívoca salientou que quem praticasse sinceramente os ensinamentos encontrados no Dhammapada, provaria da felicidade da libertação.
Devido à sua profunda importância, o Dhammapada tem sido traduzido em várias línguas. Só em inglês há várias traduções, incluindo edições de eruditos como Max Muller e Dr. S. Radhakrishnan. No entanto, quando apresentado a partir de uma perspectiva de referência não-budista, os ensinamentos do Buddha,

inevitavelmente, sofrem algumas distorções. Isso, na verdade, já aconteceu com a nossa antologia: uma selecção infeliz de versões tem sugerido por vezes interpretações incorrectas, a par de alguns comentários críticos. A presente tradução foi escrita, originalmente, no final dos anos de 1950. Alguns anos antes,

consultada uma publicação do Dhammapada em língua inglesa, observou-se que as interpretações eram demasiado livres e imprecisas ou então muito académicas e, portanto, houve a necessidade de fazer uma nova tradução, evitando estes dois extremos, no sentido de servir um propósito valioso. O resultado final deste projecto, aqui apresentado, é uma humilde tentativa de um praticante seguidor do Buddha transmitir o espírito e conteúdo, bem como a linguagem e estilo, dos ensinamentos originais.

Na preparação deste volume consultei inúmeras edições e traduções do Dhammapada em várias línguas, incluindo o sânscrito, o hindi, o bengali, cingalês, birmanês e nepalês. Beneficiei particularmente das excelentes traduções da obra do falecido Venerável Narada Mahathera de Vajirarama, Colombo, Sri Lanka, e do Professor Bhagawat de Poona, Índia, aos quais deixo o meu profundo agradecimento.

Uma primeira edição desta tradução foi publicada em 1959 e uma segunda em 1966, ambas pela Maha Bodhi Society, em Bangalore, Índia. Para esta terceira edição, a tradução tem sofrido considerável revisão. O subtítulo recentemente adicionado, “O Caminho da Sabedoria do Buddha” não é literal, mas plenamente aplicável tendo em conta que os versos do Dhammapada têm origem na sabedoria do Buddha e guiam aqueles que seguem uma vida inspirada nessa sabedoria.
Estou grato aos editores da Buddhist Publication Society pelas suas úteis sugestões, e à própria sociedade pela forma generosa com que empreendeu a publicação deste trabalho. Faço esta oferta de Dhamma em memória de gratidão aos meus professores, pais e parentes falecidos e aos ainda vivos.
Que eles possam encontrar o caminho na Dispensação do Buddha e atingir o Nibbāna!

Que todos os seres possam ser felizes!
Acharya Buddharakkhita

Paṇḍitavagga: O Sábio
76. Se alguém encontrar um homem que aponta as falhas e que reprova, que pessoa tão sábia e sagaz seja seguida como um guia para o tesouro escondido. Cultivar tal associação é sempre melhor e nunca pior.

77. Deixai-o alertar, instruir e proteger alguém do que é errado, ele na verdade é querido para os bons e detestável para os maus.

78. Não te associes com más companhias; não procures o que é vil. Associa-te com os bons amigos, procura a companhia de homens nobres.

79. Aquele que segue profundamente o Dhamma vive feliz com uma mente tranquila. O homem sábio sempre se deleita no Dhamma dado a conhecer pelo Nobre Senhor (o Buddha).

80. Os construtores de canais regulam os rios; os arqueiros endireitam o eixo das flechas; os carpinteiros dão forma à madeira; os sábios controlam-se a si próprios.

81. Assim como uma rocha sólida não é abalada pela tempestade, da mesma forma o sábio não se deixa afectar por louvor ou culpa.

82. Ao ouvir o Ensinamento, os sábios tornam-se naturalmente purificados, tal como um lago profundo, claro e sereno.

83. Aquele que é bom renuncia (desapego) a tudo. O virtuoso não faz conversa vã sobre desejos de prazeres. Os sábios não mostram euforia ou depressão quando tocados pela felicidade ou tristeza.

84. É realmente virtuoso, sábio e justo, aquele que nem para a sua própria causa, nem para a causa de outrem (faz nada de errado), anseia por filhos, riqueza, ou reino, e não deseja sucesso por meios injustos.

85. Poucos entre os homens são aqueles que atravessam para a outra margem. O resto, a maior parte, apenas corre para cima e para baixo na margem de cá.

86. Mas aqueles que agem de acordo com o Dhamma perfeitamente instruídos, atravessarão o reino da morte, tão difícil de atravessar.

87-88. Ao abandonar o caminho escuro, que o homem sábio cultive o caminho brilhante. Tendo saído de casa para a mendicidade, possa ansiar pelo deleite no desapego, tão difícil de apreciar. Deixando os prazeres sensuais, sem apego, que o homem sábio se limpe das impurezas da mente.

89. Aqueles cujas mentes atingiram a excelência total nos Sete Factores de Iluminação, que, tendo renunciado à ganância se alegram no desapego – livres de obstáculos(j), brilhando com sabedoria, alcançam o Nibbāna nesta mesma vida.

Arahantavagga: O Arahant ou
Aperfeiçoado

90. A febre da paixão não existe para aquele que tenha concluído a jornada, que não tem tristezas e está totalmente liberto, que quebrou todos os laços.

91. Aqueles que são conscientes esforçam-se. Eles não estão apegados a lar algum, como cisnes que abandonam o lago, eles deixam para trás casa após casa.

92. Aqueles que não acumulam e que são sábios quanto a comida, cujo objecto é o Nada, a Liberdade Incondicional – o seu rasto não se consegue descobrir, tal como o dos pássaros no ar.

93. Aquele cujas impurezas são destruídas e não está apegado à comida, cujo objecto é o Nada, a Liberdade Incondicional – o seu caminho não se consegue descobrir, como o dos pássaros no ar.

94. Até mesmo os deuses reverenciam o sábio, cujos sentidos estão dominados como cavalos bem treinados pelo cocheiro, cujo orgulho é destruído e que está livre de impurezas.

95. Não existe mais existência mundana para o sábio que, como a terra, de nada se ressente, que é firme como um pilar alto e tão puro como um poço profundo livre de lama.

96. Calmo é o seu pensamento, calmo é o seu discurso e calma a sua acção, daquele que, conhecendo verdadeiramente, está totalmente livre, tranquilo e sábio.

97. O homem que não tem fé cega, que conhece o Incriado, que cortou todas os laços, destruiu todas as causas (para o kamma, bom e mau), e deitou fora todos os desejos – ele, na verdade, é o mais excelente dos homens(k).

98. Inspirador, na verdade, é aquele lugar onde habitam Arahants, seja uma aldeia, uma floresta, um vale, ou uma colina.

99. Inspiradoras são as florestas onde as pessoas mundanas não encontram prazer. Aí, os livres de paixão alegrar-se-ão, pois eles não buscam prazeres sensuais.

Sahassavagga: Os Milhares100. Melhor do que mil palavras inúteis é uma palavra útil, com a escuta da qual, se alcança a paz.

101. Melhor do que mil versos inúteis, é um verso útil, com a escuta do qual, se alcança a paz.

102. Melhor do que recitar uma centena de versos sem sentido é o recitar um verso do Dhamma, com a escuta do qual, se alcança a paz.

103. Embora se possa conquistar mil homens mil vezes em batalha, contudo aquele que se vence a si mesmo é sem dúvida o mais nobre dos vencedores.

104-105. A auto-conquista é de longe melhor que a conquista de outros. Nem mesmo um deus, um anjo, Mara ou Brahma(l) pode transformar em derrota a vitória de uma pessoa com auto-domínio, sempre com controlo na conduta.

106. Mesmo que mês após mês, mesmo que por cem anos se oferecessem sacrifícios aos milhares, contudo, se apenas por um momento se reverenciassem aqueles de mentes aperfeiçoadas, essa honra é sem dúvida melhor do que um século de sacrifício.

107. Mesmo que se observasse o sacrifício do fogo na floresta por cem anos, contudo, se apenas por um momento se reverenciassem aqueles de mentes aperfeiçoadas, essa reverência é sem dúvida melhor do que um século de sacrifício.

108. Quaisquer presentes e oblações, que alguém ofereça neste mundo por um ano inteiro em busca de mérito, nada disso vale, nem um quarto do mérito obtido por reverenciar os Justos, o que é verdadeiramente excelente.

109. Para aquele sempre pronto a reverenciar e servir os mais velhos, estas quatro bênçãos resultam: vida longa, felicidade, beleza e poder.

110. Vale mais viver um dia virtuoso e meditativo do que viver cem anos, imoral e descontrolado.

111. Vale mais viver um dia sábio e meditativo do que viver cem anos, tolo e descontrolado.

112. Vale mais viver um dia diligente e resoluto do que viver cem anos, preguiçoso e disperso.

113. Vale mais viver um dia a ver a ascensão e a queda das coisas do que viver cem anos sem nunca ver a ascensão e a queda das coisas.

114. Vale mais viver um dia a ver a Realidade Imortal do que viver cem anos sem nunca ver a Realidade Imortal.

115. Vale mais viver um dia a ver a Verdade Suprema do que viver cem anos sem nunca ver a Verdade Suprema.

Tradução de Bhikhhu Dhammiko
   


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Impresso em 28/3/2024 às 13:54

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