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Sistemas, tem a finalidade de contribuir para a divulgação das linhas de pensamento dentro das várias Religiões e Filosofias de todo o mundo, na compreensão de que todas partilham afinal uma linguagem comum.
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Filosofia Árabo-Islâmica
de Adel Sidarus
em 22 Ago 2024
Tudo teria começado com um sonho do califa al-Ma’mûn, filho do lendário Hârûn al-Rashîd. Nesse sonho estava sentado em frente dele, num daqueles sofás orientais, um homem de cara simpática, tez clara e viva, testa larga, olhos azuis. Estupefacto, o Emir dos Crentes pergunta: “Quem és?”. O homem responde: “Aristóteles”, e convida o seu interlocutor, extasiado, a fazer-lhe outras perguntas. Al-Ma’mûn interroga-o, então, acerca da “questão maior”: “O que é bom?” – “O que é bom para o espírito” – responde Aristóteles – e depois o que é considerado bom segundo a Lei (sharî‛a). – “E mais?”, pergunta o califa. – “O que é bom para o povo”. Finalmente, o Estagirita convida o califa a considerar como “ouro” quem o informasse acerca do Ouro (da alquimia) e a aderir rigorosamente à doutrina do tawhîd: a unicidade/transcendência absoluta de Deus, pedra basilar da fé e da predicação islâmicas. Foi assim – explica Ibn al-Nadîm – que o califa decidiu procurar, por todos os meios, as obras dos filósofos gregos e mandar traduzi-las para o árabe. Independentemente da historicidade do relato, é um facto que a filosofia islâmica nasce e se desenvolve na senda da filosofia grega, tomando-lhe o próprio nome falsafa.
Breve relance histórico
1ª Parte
Veremos que tipo de “filosofia” chegou aos Árabes... Notemos, para já, a preeminência da figura de Aristóteles e a ligação entre Filosofia e Ciência – especialmente as ciências naturais e ocultas. Muito mais que um sistema ou um corpus de ideias, procurou-se impor a força da razão, descobrir e desenvolver as potencialidades do espírito humano – melhor: divino-humano, pois que não há contradição entre as suas conclusões e descobertas e a Revelação, como o relato da cena o frisa. Ambos concorrem para o “bem do povo” e do mundo governado pelo “Estado perfeito” – no caso, o Estado islâmico.
Como diz ainda o texto, houve no princípio um intenso movimento de traduções, pagas literalmente a preço de ouro (em função do próprio peso dos códices...). Realizavam-se, em geral, no quadro ou sob a alçada da “Casa da Sabedoria” (Bayt al-Hikma) de Bagdade: uma verdadeira Academia-Biblioteca, similar ao antigo Mouseion de Alexandria. A instituição existiu, na verdade, antes de al-Ma’mûn; foi porém durante o seu reinado que conheceu o seu período áureo.
No auge da sua glória, Bagdade, encruzilhada da China, das Índias e do Médio Oriente helenizado, foi a capital científica e intelectual do mundo de antanho. À semelhança da poesia, da arte ou da música, a filosofia e a ciência foram algo suspeitas nos meios religiosos ortodoxos. Mas as exigências universalistas do Império, multi-étnico e pluri-religioso, a protecção de príncipes iluminados e a curiosidade dos intelectuais fizeram vingar o papel duma Razão una e universal.
Para ilustrar essa abertura de espírito que vigorava então, vemos o que dizia o primeiro grande filósofo árabe, Abû Yûsuf Ya‛qûb al-Kindî (796-873?): “Não devemos ter vergonha de reconhecer a Verdade e torná-la nossa, qualquer que seja a sua origem, mesmo que ela nos chegue de gerações antigas ou de povos alheios”. Fazia, quiçá, eco ao logon (hadîth) do Profeta: “Procurai a ciência até na própria China!”. Num outro contexto, ele escreve: “O meu intento é transcrever a totalidade do que os Antigos nos legaram sobre a matéria. A seguir, completar ou aperfeiçoar o que não exprimiram plenamente, e isto em consonância com o génio da nossa língua árabe e dos usos e costumes do nosso tempo e das nossas próprias capacidades”.
Os filósofos muçulmanos acreditam na unicidade da Verdade ou Sapiência (hikma). Terá havida como que uma inspiração divina dos antigos filósofos, em analogia à revelação transmitida aos profetas e coroada pelo evento corânico. O pensamento filosófico pretende apenas aprofundar, explicitar, promover as verdades eternas contidas no Corão (§).
As primeiras traduções
Até então, princípios do século IX (III da Hégira), nos territórios do império árabo-muçulmano, a filosofia, à semelhança das ciências naturais e exactas, era apanágio dos não-muçulmanos, sejam eles de língua grega, siríaca, persa ou mesmo árabe. Em Bagdade e no resto da Mesopotâmia, eram cultivadas especialmente por cristãos nestorianos ou jacobitas, às vezes de pura estirpe árabe. Serão eles os grandes tradutores da época, tradutores do grego ou do siríaco, tradutores e comentadores, verdadeiros filósofos, médicos ou cientistas. Foi-lhes confiada a direcção do Bayt al-Hikma, a já mencionada Academia da Sabedoria de Bagdade. Foram eles os verdadeiros mestres dos muçulmanos na ciência lógica, e na medicina, até ao século XI. O primeiro e o maior de todos foi sem dúvida Hunayn ibn Ishaq (lat. “Johannitius”, 808-873). No mesmo século, temos Yûhannâ Ibn Mâsawayh (“Mesue”, m. 857). No século X, destaca-se Yahyâ Ibn ‛Adî (893-974) – que foi o maior teólogo cristão de língua árabe – e, no século seguinte, Abû l-Faraj Ibn al-Tayyib (“Benattibus”, m. 1043).
O que se traduzia?
(... continua)
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